No fim de tudo, o sonho americano não passa de um sonho
Darren Aronofsky migra de Pi para Requiem For a Dream se aproveitando da popularidade do primeiro filme. Ao invés da abordagem individual de apenas um personagem, agora teremos o acompanhamento de quatro, todos feitos com um forte teor crítico e social e não niilista, abstrato e metafórico como feito em Mother!, o trabalho mais recente do diretor. Ao contrário do filme de 2015, onde os personagens são apenas metáforas que giram em torno de si mesmos, Requiem For a Dream tem personagens que fazem parte de um sistema maior do que eles mesmos, onde eles sentem na pele as piores conseqüências que esse mundo pode gerar.
Requiem For a Dream é um filme muito mais fácil de interpretar comparado com outras obras de Aronofsky, como Noé e Fonte da Vida que abordam misticismo, religiosidade e espiritualismo, cuja linguagem poética dos elementos e das ações cria uma barreira entre o telespectador e o real significado desses elementos. Nesse caso, Aronofsky tenta tornar a interpretação do filme algo o mais acessível possível, mas não de forma óbvia e mastigada, mas através do espanto e da perturbação, seja com o objetivo de expor a importância do tema do filme (abuso das drogas), seja como oposição à linguagem metafórica usada no primeiro trabalho.
Darren Aronofsky é conhecido pelo seu ativismo ambientalista, algo que não é escondido em trabalhos como Noé, história da bíblia que já aborda a relação entre Deus, o homem e a natureza, Mother! e The Fountain. Nessas obras, há a preferência aos planos abertos e longos minutos de filmagem para retratar o meio ambiente e todos os seus elementos, em oposição ao plano detalhe com o foco maior no ser humano, onde esse estilo de plano é utilizado para representar a pupila dos olhos dos personagens se contraindo ao usar a droga e ao mostrar a própria substância entrando nas veias. Apenas comparando o tipo de plano utilizado em cada situação, é possível perceber a oposição que existe entre a vida natural no meio ambiente, em contato com a criação de Deus, com a vida urbana na cidade com o consumo de drogas e produtos farmacêuticos.
A crítica a mídia televisiva e a indústria farmacêutica não são apenas postas como oposição ao meio natural, mas como formar de ligação entre as gerações de Harry e Sara, mesmo que ambas estejam distantes. A geração de jovens e adultos, pais e filhos, está distantes uma da outra na sociedade moderna. A única coisa que rompe o isolamento entre pais e filhos, jovens e adultos é o abuso das drogas e dos remédios. Harry pouco visita sua mãe (são poucas as cenas onde ambos estão juntos), Marion tem problemas com os pais e Tyrone tem lembranças curtas e apagadas da própria mãe. O jovem não é mais a figura de transformação da sociedade, que contesta os valores dos pais, avós e da sociedade, de modo geral, mas apenas uma figura solitária que vivencia os mesmo problemas, os mesmos traumas em um mesmo sistema, estando expostas as mesmas conseqüências trágicas.
O indivíduo é um ser sozinho no mundo moderno. Isso é um fato que se estendeu nos últimos anos, mas que no filme de 2000 já era algo previsto, isso por que o sofrimento de cada personagem é contado de forma individual, de forma que, no ápice do tormento psicológico, Harry, Sara, Marion e Tyrone estão em lugares distintos e em situações distintas, mesmo que havendo fatores em comum que ligam a trajetória de cada um. O movimento de câmera transitando entre o ápice de cada personagem de forma ritmado, com uma música tenebrosa de fundo, cria um efeito de perturbação no telespectador que só é possível através da união de cada cena, algo que, se mostrado de forma individual, teria um efeito bem menor.
Homem e tempo são partes de uma coisa única. A transição entre verão, outono e inverno flui em conjunto com a decadência dos personagens, dando a idéia que de o ser humano é fraco e vulnerável aos fatores externos e ao tempo. A simbologia das estações do ano como o ciclo de vida do ser humano remete a uma pequena esperança sabendo que, depois do inverno, vem a primavera, porém a idéia do filme é se encerrar no inverno para acompanhar a obscuridade e o lado sombrio da trama.
O sonho americano, que prometeu qualidade de vida, bons empregos e saúde para os americanos durante o século XX, é tratado do ponto de vista niilista de Darren Aronofsky. A prosperidade dá lugar a falta de estrutura, como foi dito por Sara quando ela estava delirando com a imagem do Tappy zombando de sua casa. A saúde dá lugar ao vício aos remédios, um dos principais pilares da sociedade moderna capitalista, onde o consumo de farmacêuticos para problemas e doenças como depressão e ansiedade é cada vez mais comum. No fim de tudo, o sonho americano não passa de um sonho.
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