“What if demons really exist?”, indaga a protagonista Erin Bruner, interpretada pela atriz Laura Linney, ao confrontar o seu ceticismo em relação a Deus, anjos e demônios com o desafio de defender um padre acusado de homicídio após um ritual de exorcismo.
Esse choque que transcende as barreiras da estética ou, em outras palavras, esse breve (ou não) estado de consciência em que você se vê confrontando valores e repensando crenças após assistir a um filme é uma das coisas mais legais que o cinema pode oferecer. É aliado a isso e, evidentemente, ao objetivo de entreter o grande público, que The Exorcism of Emily Rose, filme lançado em 2005 e dirigido por Scott Derrickson, se propõe.
Baseado na história real da alemã Anneliese Michel, o filme é uma inédita e atraente combinação entre dois gêneros do cinema, o “drama de tribunal” e o terror – sendo justamente essa subversão de gênero um dos pontos altos do filme e que lhe atribue certa credibilidade. Com cenas realmente assustadoras, o que faria de The Exorcism of Emily Rose um típico filme de terror, o longa ainda traz consigo interessantes reflexões sobre fé e tolerância e dá uma balançada na mente dos mais céticos sobre a existência ou não do sobrenatural – o tal breve estado de consciência em que o espectador se insere, reação típica de filmes de terror que se põe a aproximar da nossa realidade.
Diferentemente do clássico e inalcançavel The Exorcist, de 1973, o longa tem uma abordagem contemporânea e mais ousada, a de confrontar, em um tribunal, os dois lados: o da fé, representado pelo acusado, o Padre Moore (Tom Wilkinson), e o da razão, representado pelo irredutível promotor Ethan Thomas. Entre eles, está a conceituada e respeitada advogada de defesa, Erin Bruner, que, inicialmente movida pelo interesse em ascender profissionalmente, topa o desafio de aceitar um caso delicado e com forte apelo da mídia local. Os três vão ser protagonistas de fortes discussões sobre os limites da fé e da ciência. Nesse sentido, a advogada Erin tem o papel-chave no filme, já que sendo cética, desenvolve sua defesa numa perspectiva mais “aceitável”, sendo o meio-termo entre os extremos da Fé e da Razão. É interessante perceber a forma como ela, através do respeito que desenvolve pelo padre, aprende a lidar com valores diferentes dos seus – situação essa que remete a outro “filme de tribunal”, o belo e dramático Philadelphia, de 1993, quando o advogado interpretado por Denzel Washington, homofóbico, aceita defender um profissional que foi demitido por ser soro-positivo e, através da humanização do personagem, percebe e aprende a lidar com a homossexualidade, repensando seus valores e superando quaisquer preconceitos.
Sobre as cenas de terror, o filme tem vários méritos. O diretor consegue criar uma atmosfera tensa e o clima de suspense é constante durante todo o longa. Pra isso, utiliza de um recurso que embora já tenha sido bastante usado no cinema, serviu muito bem à narrativa do filme: flashbacks. São através deles que vamos acompanhar todos os eventos; da possessão até o exorcismo da Emily. As cenas de possessão são, de fato, assustadoras e quase todo o crédito vai para a atuação absurda da atriz Jennifer Carpenter (Debra, de Dexter), que se contorceu, agonizou, gritou e se entregou tão bem à personagem e às cenas que a utilização de efeitos especiais foi quase desnecessária; e quando usada, de forma bastante sutil. A trilha sonora, comandada pelo Christopher Young, dá intensidade à atmosfera do filme e a utilização de cenários não óbvios e cores em tons vivos, como o laranja e o roxo, fogem um pouco do lugar-comum e, por isso, dão uma nova roupagem ao gênero.
The Exorcism of Emily Rose traz reflexões bacanas sobre algumas das grandes questões, assusta e, pra isso, prefere deixar de lado algumas velhas fórmulas. Bom filme.
Ótimo texto cara, para um grande filme que é bastante subestimado.