Remakes americanos são sempre um problema. A chance deles darem errado é quase certa e os casos não são poucos. Não se assimila a essência do filme original, não se respeita a obra ou tenta-se subvertê-la de modo a dar um toque mais "original". Assim, desastres acontecem. E toda vez que Hollywood anuncia um remake, as espinhas de muitos cinéfilos fica gelada. Caso de Deixe-me Entrar, a versão americana para a obra-prima sueca Deixa Ela Entrar, um filme marcante pela sua incrível fusão de horror e história de amor. Pois bem, eis uma boa notícia: este remake americano, claro, não supera o original, longe disso. Mas é um bom filme e que vale ser assistido.
O ano é 1983, o cenário agora é uma cidadela no Novo México. Owen é um menino isolado, passivo diante da realidade que o cerca. Sofre bullying de colegas de escola e está vendo os pais se divorciarem. De seu quarto, observa passivamente os vizinhos. E eis que em seu prédio surgem as figuras de uma menina (Abby) e um homem que parece ser seu pai. Aos poucos, os dois vão se aproximando e acabam, de uma forma um tanto bizarra, descobrindo o amor, apesar do fato de que Abby é uma vampira.
O roteiro teve poucas alterações. Matt Reeves, que também dirige o filme, pouco subverte o original, procurando manter mesmos diálogos, cenas e gestos. Entretanto, ele faz o possível para situar o espectador dentro de uma trama tipicamente americana. Como no começo, em que somos apresentados a uma cena tensa envolvendo o "pai" de Abby, e depois, somos transportados para duas semanas antes desse acontecimento. De outra forma, Reeves insere muitas referências ao american way of life, como discursos televisionados de Ronald Reagan, bandeiras americanas, símbolos do capitalismo e até a própria trilha musical e, indo mais além, o comportamento mais rude e cruel dos rapazes que atormentam a vida de Owen. Essa opção não é ruim, é justificável pela diferença de público e estilo onde o filme será vendido. O filme sueco se permite mais liberdades, tem um clima mais soturno e compassado, enquanto o remake americano insere mais rapidez às cenas, tornando a projeção mais leve e fazendo o tempo passar mais rápido.
O arco dramático da história, ou seja, a relação entre Owen e Abby, é bem realizado, através de uma bonita trilha sonora incidental e uma atuação caprichada de Kodi-Smit McPhee (Owen) e Chlöe Moretz. Ele entrega um personagem bastante inseguro, mas não tão frágil como o sueco Oskar. Apesar disso, sua presença de cena é interessante. Moretz, no entanto, não é uma Lina Leandersson, mas seu talento dramático já é conhecido de outros trabalhos. Moretz procura sempre manter uma certa distância em sua atuação, dando mais ênfase à insegurança que Abby enfrenta nessa aproximação difícil com alguém que, mesmo tão diferente em natureza, é tão próximo a ela em seus medos e inseguranças. Os elementos da história de amor estão aí, desde a cena da cama de Owen até o beijo com sangue. Nada que seja tão lindo como no original, mas ainda assim com capacidade de tocar o espectador.
A direção de Reeves funciona bem. Para um diretor cujo trabalho mais conhecido é o curioso Cloverfield - Monstro, ele até que mostra segurança em balancear ação à americana e romance, procurando não subverter, mas louvar o filme sueco. Conta também com o apoio de uma linda trilha sonora e de um bom trabalho de fotografia. É pena, entretanto, que ele tenha subvertido tanto a cena da piscina (muito inferior ao original) e ainda tente fazer uma desnecessária correlação com a obra shakespeariana Romeu e Julieta.
Apesar desses pormenores e também da ausência de uma atmosfera mais delicada - especialmente pela opção em tornar o filme mais explícito e assim vendê-lo melhor como obra de terror - Deixe-me Entrar é um filme interessante de se ver. Como no original, mostra que o amor não tem idade, cor, sexo, credo, nem escolhe natureza da pessoa. Ele simplesmente acontece, às vezes de maneira tão sublime que nos surpreendemos. Pois é isto que consiste o amor: aceitar as diferenças e os defeitos do outro. Se de um lado Abby pede para entrar na casa de Owen, ele, por sua vez, pede licença para entrar no coração de Abby. Por mais diferentes que eles sejam.
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