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A Sun

(A Sun, 2019)
7,9
Média
20 votos
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Críticas

Cineplayers

Hong e o mosaico dos dramas familiares

6,5

Chung Mong-Hong, cineasta taiwanês, é bastante conhecido por seus irregulares Parking – exibido em Cannes - e Godspeed, dois longas com uma marca autoral que não necessariamente dá cabo de contar suas histórias de maneira quase perfeita. Percebe-se um quê de Tarantino nesses dois projetos, porém com uma inconstância de ritmo notável. Percebe-se o mesmo com o aclamado A Sun, título sem uma tradução definida para o português. É um filme com uma mínima identidade visual, que tropeça em sua condução, e que fora relativamente bem aclamado pela crítica, recebendo o prêmio que existe desde 1962 chamado Golden Horse Award na categoria Melhor Diretor.

Foi até além nessa seara do reconhecimento. Chegou a beirar o Oscar, figurando na pré-lista dos indicados à categoria Melhor Filme Internacional, sendo o representante escolhido por Taiwan. País este que carrega veia artística cinematográfica bem na ponta dos cascos já há um bom tempo, tendo sediado filmes de Edward Yang e sendo o país de origem de outro fortíssimo nome, Hou Hsiao-Hsien, dentre outros. A Sun é digno em vários aspectos dessa fama positiva que mesmo os trabalhos menores dessa escola asiática de cinema detêm.

Desde o início é um filme que não parece ter a vocação dos filmes mais robustos de lá oriundos, mas o poder imagético é sentido na pele durante o primeiro ato. Tomadas conscientes, a fotografia num equilíbrio perfeito entre o dessaturado e o colorido vívido, os movimentos panorâmicos de câmera e a veracidade em uma cena mais visceral logo na abertura do longa. É quando o protagonista A-Ho (Wu Chien-ho), junto de Radish (Kuan-Ting Liu) e sua gangue, estacionam e descem da moto para adentrar o salão de um restaurante onde está o alvo procurado, que é agredido brutalmente em cena tecnicamente notável cujo impacto se dá pelo acompanhamento das lentes de Chung junto ao movimento de uma lâmina que corta metade de um antebraço fazendo jorrar muito sangue, que não poupa nossas retinas de seu vermelho abundante em cena divertida e grosseira.

Logo após, as coisas se acalmam e assentam. Sai então de cena a ação e entra o melodrama típico. O longa passa a acompanhar os dramas daquela família que nos apresenta. O filho mais velho, envolvido no brutal ataque ao restaurante, está preso. O irmão tenta passar em Medicina e não consegue se encaixar no cursinho, a mãe tem dificuldades no trabalho e o pai não quer perdoar o filho que participou em um crime.

Dentre esses arcos, todos são bem trabalhados com intercorrências aqui e ali, à exceção do mais problemático, o do irmão que tenta adentrar a faculdade. Abrupta e estranhamente, o longa de Chung encerra a jornada desse personagem mostrando o suicídio cometido pelo mesmo sem que saibamos os reais motivos por trás, e encerrando uma relação amorosa - pouquíssimo trabalhada -  que se ensaiva entre o personagem e uma amiga do colégio. Há de se deduzir para chegar a uma conclusão do porquê caminhara a tal ponto aquele jovem, visto que o filme falha com sua escassez de possíveis motivos apresentados para que o ciclo daquele personagem se encerrasse daquela maneira. Falta estofo prévio ali.

O mesmo vale para o terceiro ato, que revela a resolução de pendências entre A-Ho e Radish. Ficam mal explicadas e novamente subentendidas as motivações e intenções, especialmente de Radish, que, assim como outras personagens, desaparece da trama dando fortes indícios de que não mais voltará, e de repente aparece para desenrolar um ponto importante na narrativa, algo que causa muito estranhamento. Esse sumiço e reaparecimento prejudica também, em maior ou menor grau, outros núcleos narrativos.

Por outro lado, um segmento é trabalhado com muita maestria e, portanto, é dos mais satisfatórios de se acompanhar. O da menina que aparece revelando estar grávida de Ho e com este se casa. O filme explora bem o drama de se criar um filho nessas duras condições de um pai afastado e, mesmo quando já fora do reformatório, com dificuldades para se realocar na sociedade, conseguindo emprego e colocação. A Sun explora essa situação escrita pelo roteiro de Yaosheng Chang de maneira a se criar empatia e envolvimento com aquelas pessoas fictícias que tranquilamente podem ser cidadãs tanto taiwanesas quanto americanas, quanto de qualquer outra nacionalidade, enquanto integrantes do grupo "gente como a gente".

O filme de Hong é de uma universalidade temática, com abrangência do verídico em suas representações na mise-en-scène, que o torna fácil e cativante na maior parte do tempo. Um filme certamente palatável e assistível, com o adendo desse ritmo acidentado e de algumas demasiadas pontas soltas. Além, pelo menos para mim, da longuíssima duração que não se justifica. Faz do filme uma obra com suas gorduras. Ademais, um projeto para se olhar com carinho, com uma primeira metade que deve raptar muitos espectadores para um espiral poética do belo e do profundo nos dramas cotidianos, com pitadas de amargor.

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