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Alex Wheatle

(Alex Wheatle - Small Axe, 2020)
8,3
Média
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Alex Wheatle: identidade e História

9,0

Alex Wheatle (2020) é o quarto filme de Small Axe, antologia de cinco episódios dirigida por Steve Mcqueen que reconstrói e reflete sobre vivências diversas da comunidade afro-caribenha da Inglaterra dos anos 60 aos anos 80.

Na antologia, McQueen traz referências de diversos escritores negros, de suma importância por tratar da exclusão do povo negro e repensar como o processo histórico do colonialismo reverbera na atualidade, como Suart Hall e C. L. R. James. Agora, é a vez de criar e centrar uma narrativa inspirada na vida do escritor de ficção Alex Alphonso Wheatle, autor de livros como Brixton Rock (1999), East of Acre Lane (2001) e Crongton Knights (2017), vários inspirados em suas próprias experiências de vida.

O filme se inicia com Alex (Sheyi Cole), um jovem com olhar vazio, enraivecido e desiludido com o mundo, sendo levado a uma cela de prisão. Somado a isso, as cenas do seu presente encarcerado são intercaladas por flashbacks que denunciam uma infância conturbada, repleta de agressões e humilhações por parte de seus cuidadores e colegas de escola. Mas há muito mais camadas na vida de Alex para desvendar. Ao iniciar a narrativa dessa forma, McQueen não busca tanto recontar todos os eventos que levaram à prisão do personagem (que, aliás, não ficam tão claros na trama), mas sim ressaltar este que foi um ponto de virada na vida de Wheatle. Afinal, é a partir do encontro com seu companheiro de cela Simeon (Robbie Gee) que Alex começa a se abrir e resgatar suas memórias reprimidas, tomando posse de sua narrativa.

“Não tenho história”, afirma ele a Simeon. Aos poucos, o peso de suas palavras tornam-se evidentes. Alex cresceu e passou a maior parte de sua infância em orfanatos e casas do serviço social da Inglaterra, vivendo em bairros em que a maioria da população era branca. Contudo, apesar de não possuir alicerces familiares sólidos ou laços fortes com sua cultura (é descendente de pais jamaicanos), ele tem muito a contar.

À medida que o protagonista resgata seu passado, o vemos amadurecer e construir sua identidade. A maior parte da história se passa em Brixton, bairro que concentra uma grande população de origem ou ascendência afro caribenha em Londres, no qual o jovem começa a morar em sua adolescência. Lá, seus comportamentos são questionados e estranhados por serem "britânicos demais”. Através de cenas com certo teor didático, vemos Alex aprender novos modos de se portar com ajuda de seus amigos, especialmente do carismático Dennis (Jonathan Jules). Sheyi Cole consegue expressar a ingenuidade de Alex em torno da cultura do local, do seu desconhecimento das opressões da chamada Babilônia, da sua resistência em afirmar-se como negro de origens afro-caribenhas: “sou inglês, de Surrey”, ele declara inicialmente. Mas o ator também incorpora com maestria a profunda dor e solidão do jovem.

Como em outros episódios da antologia de McQueen, a música, escolhida a dedo, desempenha um papel crucial no filme. É o modo de Alex externar suas dores, fortalecer sua ligação com seus novos amigos e consolidar suas raízes culturais. Em um momento inicial do filme, quando Alex está sendo levado a Brixton pela primeira vez, ele ouve no carro uma entrevista com Roald Dahl (escritor inglês), em que o autor fala que gostava de ouvir “boas músicas”, como as de Beethoven, antes de começar a escrever. Logo, a entrevista é sobreposta por sons de uma música reggae, destacando a importância do gênero para o personagem e sua identidade. A melodia então torna-se trilha sonora para os primeiros planos que vemos das ruas de Brixton, demarcando a relação da comunidade com a música afro-caribenha. É também através da música e da convivência com os jovens do local que Alex cria consciência social e se engaja na luta antirracista.

Um dos momentos mais potentes do filme ocorre quando toda a opressão e desigualdade sentidas por Alex culminam em uma série de imagens de arquivo dos protestos que se sucederam após o incêndio de New Cross em março de 1981 - e que resultou nas mortes de 13 jovens negros, de idades entre 14 e 22 anos durante uma festa em uma casa no sudeste de Londres. McQueen justapõe documentário e ficção à medida que também costura uma narrativa baseada na vida real do escritor. Mas a suspensão da narrativa expõe a exclusão social que transcende a trajetória individual de Wheatle, evidenciando a negligência das autoridades com assuntos relativos à comunidade negra. E esse momento fica ainda mais pungente após o episódio Lovers Rock, em que acompanhamos a atmosfera sublime de um baile noturno de jovens afro-caribenhos, numa casa como a que pegou fogo em New Cross.

Por fim, o ponto de virada mais significativo para o protagonista ocorre ao final do filme, deixando em aberto as transformações que ainda se darão. Alex Wheatle não busca retratar uma experiência de formação fechada, mas consegue exprimir um período de vida rico em crescimento - não por isso menos conturbado - numa narrativa não-linear, que mostra como certos processos de significação de vivências e acontecimentos passados ocorrem a partir do presente. Retrata além disso a importância de se compreender o próprio passado para assim conseguir traçar um futuro, como Simeon constantemente afirmava a seu companheiro de cela, o jovem Wheatle.

Comentários (2)

Herbert Engels | quinta-feira, 16 de Dezembro de 2021 - 22:39

Agora fiquei com vontade de rever essa serie haha.

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