O cineasta americano Tate Taylor teve sempre em sua filmografia obras de qualidade duvidosa. Mesmo seu Histórias Cruzadas (2011), filme que recebera indicações e prêmios na cerimônia do Oscar, detinha uma pegada bastante ordinária. Com o rótulo do drama racial, agradou a indústria por sua formatação bem evidente, pela funcionalidade em uma chave formulaica. Além deste, emplacou outros três filmes com ótimas atrizes incorporando protagonistas. Foi assim com Emily Blunt em A Garota no Trem (2016), Octavia Spencer em Ma (2019), e mais recentemente neste Ava, com a belíssima Jessica Chastain.
Em todos os filmes deste trio, ocorrera um grande desperdício de talento. São atrizes que dispensam maiores apresentações. Entretanto, colocadas foram em filmes tão manjados quanto aqueles exibidos na TV aberta, especialmente de uns anos pra cá. Em Ava (2020), poucos segundos de rodagem serão necessários para termos ciência de que Chastain é uma assassina profissional que trabalha para uma organização que realiza operações ilegais. A atividade mais evidenciada no longa é aquela que engloba uma série de execuções ao redor do mundo. Famoso filme que passeia pelo globo, com supostas locações em cada um dos vários países apresentados. Algo que aqui não faz de maneira decente, visto que a ambientação em cada cartão-postal é muito pobre imageticamente.
A cinematografia de Stephen Goldblatt é tão pouco imaginativa quanto a daqueles telefilmes baratos. Mas o longa, que promete ser recheado de ação, vai além da frustação visual que nos aflige logo nas primeiras cenas. Ele consegue ir afundando a protagonista num estereótipo extremamente saturado das femmes fatale. Isso é notado nas cenas em que Chastain alveja os tais procurados após uns minutos de sedução. São cenas tão mal dirigidas e, ainda que fossem bem conduzidas, estariam dentro de uma representação deveras batida, datada.
Logo após mostrar uma operação da protagonista nos arredores de Paris, decide-se que é hora de cortar para o outro lado do oceano, na cidade natal da agente Ava. Ensaia-se uma construção dramática que, de fato, não ocorre. Simplesmente porque não convence. Abruptamente, sem mais nem menos, Ava de repente encontra sua irmã, ou melhor, reencontra, depois de anos distante. Pelo diálogo entre as duas, tão bate pronto, não houve peso algum durante esse hiato, de ausência e supostamente saudade. É tudo jogado, em linhas de conversa primárias.
Não bastasse esse momento de vergonha alheia, que pelo menos serviu para informar a protagonista de que sua mãe sofrera de um infarto, conhecemos a genitora da tão temível Ava. Interpretada por ninguém mais ninguém menos que Geena Davis (Thelma & Louise), atriz pela qual sinto pena por embarcar em projetos robóticos à Tate Taylor, a mãe é muito boazinha, generosa, entretanto tão fake quanto o mito terraplanista. Sim! Até Geena está canastrona neste filme ou, no mínimo, no piloto automático mais potente que já vi.
As atuações e o aspecto técnico, como já apontei, são tão pedestres que você não consegue desistir do filme. Você fica até o final, caso não tenha nada pra fazer ou algo melhor para assistir em sua lista. O filme não requer qualquer esforço do espectador ou sequer estimula uma admiração ou suspiro. É basilar tão quanto a tabuada ou o abecedário. É tão cômodo que mastiga tudo pro espectador. E voltando a falar do elenco, que não usufrui do tato que Chastain tem para atuar, engessando a mesma, este ainda carrega nomes minimamente respeitáveis em Hollywood, como Colin Farrell no papel do vilão (esse gosta de fazer antagonista ruim, hein?), e John Malkovich, que conseguiu ser contaminado por este filme pálido e sem identidade a ponto de performar inexpressivo.
Na parte cinética da coisa, as cenas de ação seguem o mesmo rumo dos outros componentes fílmicos gritantes em termos de defasagem. Cortes pra lá, cortes pra cá, algo já tão apontado como irritante desde a massificação da técnica a partir da franquia Bourne. Uma confusão estética só, que por sua vez é vendida como ‘’pancadaria’’ para agradar o público. Mas as massas não são tão bobas e, apesar de um ou outro ser tapeado, elas percebem a diferença de estilo e arregimento de um Atômica (mesmo com as perfumarias) e de um John Wick para um Ava da vida, filme exclusivamente para consumidores que medem obras com régua curta, aqueles que tem nível de exigência zero.
Isso sem contar o quanto Ava é um longa que subestima a inteligência de seres pensantes, explicando cada conflito – se é que dá para chamar assim – da protagonista, que tem de lidar com seu cunhado e com o passado amoroso entre os dois e com questões existencialistas, que o roteiro apresenta da maneira mais artificial possível. Ava é um filme que não faz com que você sinta medo, tristeza ou raiva. Não se prepara terreno para absolutamente nada. É tudo colocado em tela com o fim único de preencher a checklist dos clichês. Não há tensão, sequer um esboço narrativo de algo mais robusto e até mais palatável.
Paupérrimo narrativa e esteticamente, Taylor entrega um filme tal como um adolescente quando termina sua prova para sair logo do colégio. De qualquer jeito. O que resta, nesse arremedo todo, é Chastain em algumas passagens onde demonstra sua feição e sua presença cênica. É uma atriz com porte para fazer o que Charlize Theron fizera no Atômica, longa dirigido por Chad Stahelski. É também muito bonita, com traços dentro dos padrões de beleza contemporâneos, o que poderia ser usado na composição de uma mulher fatal tal como uma Viúva Negra, não necessariamente aquela dos quadrinhos, mas uma diferente de todas que Hollywood já nos apresentou dentro dessa tônica. Mas acaba desperdiçada.
Atômica (2017), muito embora contasse com uma hiper estilização, irritando pelos seus penduricalhos, ainda fazia as coisas andarem numa trama decente, com um roteiro que mantinha o mínimo de autenticidade. Ava é só mais um filme de ação, daqueles para rotular, sem medo de cometer injustiças, de genérico do genérico. Tão frívolo quanto aqueles exemplares da década de 90, especialmente os lançados diretamente em VHS, que caíam no ostracismo num piscar de olhos. Pobre Chastain que, além de salvar Ava do mico completo, teve de fazer esse exemplar ignóbil com o fim único de quem sabe pagar as contas.
Que preguiça de roteiro, credo! Abandonei.
Preguiçoso demais mesmo, Maria!