8,0
Nadine Labaki está apenas em seu terceiro longa metragem, mas o termo 'jovem realizadora' não se aplica pra ela. Seus dois filmes anteriores apareceram em diferentes edições do Festival de Cannes fora de competição, e trouxe uma certa visibilidade pro seu nome e pro Líbano. Não passaram em brancas nuvens, mas também não tinham nada de marcante além da vontade de ser exportada, por isso a visão tão 'para inglês ver' de seus projetos, que fizeram até a surgir uns fãs isolados. Inofensivos em temática e estrutura dramática ou fílmica, Caramelo e E Agora, Onde Vamos? são filmes sem qualquer mérito particular. Foi estranho ver seu nome ser anunciado na competição oficial do mesmo festival, mas no ato de sua exibição o boato de que se tratava de um 'filmaço' já era forte demais, e como esperado a produção agradou em cheio, elevando seu nome a um lugar de respeito. Ninguém estava errado, Nadine amadureceu como cineasta. E só.
Nadine não revolucionou o cinema, como muito deve ter pensado quem ouviu tudo que vem sendo dito nos últimos meses. Ela evoluiu, o que é muito mais bonito e verdadeiro, sem exagero ou milagre. Ainda reside nela uma imensa vontade de exportar seu país e sua arte, apenas o foco foi acertado. Se antes ela pretendia fazê-lo pela "delicadeza", agora é pela crueza. A diretora investe numa espécie de 'realismo-verdade' no qual o nosso próprio cinema é muito afeito, com direito a crianças incrivelmente naturais e uma atmosfera de ação social pra onde se olha. Lógico, existem formas e formas de denunciar horrores através da arte, e ao contrário do que poderia ser imaginado a sair da autora de títulos inicialmente tão insípidos, Nadine caminhou sem olhar pra trás.
A história não pede licença para incomodar. O pequeno Zain vive no inferno real, e não naquele hipotético fantasioso. O subúrbio libanês é palco de suas andanças e corridas, e menino que nem a própria idade sabe (supõe-se 12) tem um número igualmente incalculável de irmãos e pais prontos a ganhar todos os prêmios de piores progenitores do cinema, mas ainda assim completamente palpáveis, sem exagero ou polidez. A força das circunstâncias transformou todos aqueles personagens no que eles são, párias na mais completa tradução; ainda que não caiba a condenação, muito menos a proteção a nenhuma atitude. Apenas o absoluto horror, e a tentativa de sobrevivência a ele. Pois Zain está preso. 12 anos e algemado. Mesmo. Sua trajetória será contada no filme, diante de um tribunal que está expondo todo aquela realidade desgraçada.
Tecnicamente o filme tem diversos acertos e um grande erro. O músico Khaled Mouzanar (também um dia roteiristas) compôs partituras muito bonitas que são tratadas pela direção com responsabilidade, evitando sempre a superexposição de um trabalho que nunca é melodramático. A fotografia de Christopher Aoun também contribui para a manutenção da atmosfera perpetuada no filme, que dá unidade aos diversos momentos que o filme salta, sempre com uma luz desconcertante e enquadramentos espetaculares. O grande problema (não apenas) técnico da produção é seu ritmo, infelizmente. De raiz ágil, com uma proposta de flashback bem conduzida e uma primeira hora incomparável, o filme cai a partir daí, praticamente trava em sua adrenalina emocional e começa a girar em círculos, onde a narrativa passa a repetir cacoetes e situações, sem motivo. Essa queda de ritmo prejudica a apreciação e até o envolvimento mais fiel com a obra.
Felizmente como já comentado o melodrama consegue vencer a batalha e o filme se fortalece com essa pegada de emoção mais pontual. Econômico nos diálogos, os personagens são construídos por suas ações e em cima de atitudes, que os definem sem maniqueísmo. Pra fechar o pacote, um elenco impressionante é coroado com o miúdo Zain Al Rafeea, um prodígio em tudo que faz em cena, definitivamente um pequeno grande ator no qual o filme inteiro está depositado, e ele dá conta além do esperado. É também por causa dele que o trabalho de Nadine Labaki é uma evolução e uma revelação, do qual todos já ficam ansiosos pra conhecer o próximo passo.
Filme visto na Mostra de Cinema de São Paulo
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