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Críticas

Cineplayers

Um filme que se perde na pretensão da sua diretora, com diálogos pseudo-intelectuais irritantes.

3,5

O cinema independente norte-americano está percorrendo trilhos perigosos. Outrora transgressor, moderno e cheio de idéias, sufoca-se atualmente em armadilhas próprias, sem conseguir aquele sopro de frescor que tanto instigava o espectador. Vez por outra surgem casos isolados como um Tarantino ou um Zach Braff da vida (pra quem não reconheceu o nome, é o ator e protagonista do imperdível Hora de Voltar), mas é pouco para uma fatia da indústria que despontou com força total na década passada.

É nesse cenário que surge Miranda July. Renomada artista audiovisual, com trabalhos expostos nos mais importantes museus americanos, a balzaquiana resolveu encarar o cinema como mais uma vertente de sua carreira. Após dirigir, roteirizar e montar um curta-metragem, escrever um roteiro de longa-metragem e fazer uma participação como atriz, apaixonou-se pela mídia. O resultado é esse Eu, Você e Todos Nós, em que July dirige e estrela.

Só que seu roteiro nada mais é que um esquemático e superficial painel de um subúrbio qualquer, onde personagens são analisados sem dó nem piedade pela câmera sempre sutil da diretora, o que pode facilmente enganar os mais desavisados. Enquanto na superfície July manipula a ação de forma a tornar seus fantoches e suas misérias reais, o jeitinho delicado de filmar, a fotografia coloridinha e a (irritante) trilha sonora fofinha cria um contraste perigoso. Afinal, basta observar nas entrelinhas que ali há muito mais pedantismo e manipulação do que se poderia supor.

Os diálogos pseudo-intelectuais são a forma mais fácil de entender toda essa questão. Em certo momento, há um primeiro encontro entre os dois protagonistas: Richard (John Hawkes, ótimo), vendedor de uma loja de sapatos recém-separado, e Christine (a própria July, que fisicamente lembra Maggie Gyllenhaal), uma espécie de motorista de idosos que paralelamente tenta uma carreira como artista audiovisual (não poderia ser qualquer outra coisa?). Antes de serem acometidos por uma inexplicável atração (ou algo do tipo, não fica muito bem claro), os dois proferem as seguintes frases transcritas abaixo, após Richard constatar calos nos tornozelos da moça:

- Você acha que merece essa dor, mas não merece.
- Eu não acho que mereço.
- Bom, talvez não conscientemente.

É leviano por parte de July pensar que algo do tipo seja realista. Afinal, após separações, insinuações de pedofilia, sexo oral entre adolescentes e personagens emocionalmente perturbados, frases assim acabam soando quase ridículas. Aulas com Mike Leigh fariam bem para a moça. A própria gênese desses personagens parece mudar de acordo com a situação. Vejamos o caso do já citado Richard. No princípio do filme, impotente com a sua separação, atiça fogo na própria mão como uma forma de martírio e também como uma forma de ser notado, para logo depois tomar as atitudes mais sensatas de todo o enredo ao enxotar uma desconhecida do seu carro.

As lições de moral que o filme passa são muitas. Parecendo um colegial discorrendo sobre a vida, mensagens como ‘cada coisa a seu tempo’ e ‘seja você mesmo e siga em frente’ surgem sem que o espectador se dê conta de quão primário tudo aquilo é. Há espaço ainda para verdadeiros ensaios sobre a solidão humana, sobre a terceira idade, e o que mais aparecer pela frente, tudo com a profundidade de um pires.

Há de se elogiar o esforço dos atores em tornar tudo verossímil. Todos em cena estão muitíssimo bem, e aqui July finalmente não compromete. Todos com cara de gente, de pessoas que vemos no dia-a-dia. As crianças, então, são um show a parte. Pena que nem todas as narrativas tenham suas histórias devidamente desenvolvidas, como a dos idosos e da diretora do museu. Curiosamente, July utiliza essa personagem para atacar diretamente os responsáveis pela arte atual. É o velho ‘cuspir no prato que comeu’.

Enfim, um filme que padece da ambição da própria realizadora. Uma síndrome que ataca o cinema independente ianque como um todo, mas que abocanhou vários prêmios, inclusive no Festival de Cannes. Vá entender.

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