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Críticas

Cineplayers

A passagem de geração na França mostrada em obra-prima.

9,5

Se o cinema é a representação da sociedade em que vivemos, há algo muito estranho acontecendo na França. O Pai dos Meus Filhos integra um grupo cada vez mais crescente de filmes que tratam de conquistas, aquisições e desafios de uma geração anterior, que são completamente ignorados ou desfeitos pela seguinte. É como se o país estivesse em conflito sobre sua história e seus feitos, procurando sempre um destino incerto. Horas de Verão, lançado este ano, e Uma Barragem Contra o Pacífico, estréia de Rithy Phan na ficção, são outros que me vêm a mente neste momento.

Não é a toa que este filme termina com as personagens cruzando as ruas de Paris, em direção a uma nova vida, uma nova trajetória, mas sem nenhuma perspectiva definida. Mas antes de comentar sobre a história e seus significados, vamos a um aviso importante: é importante ressaltar que o filme é praticamente dividido em dois, graças a uma virada brusca na história, que será impossível deixar de comentar alguns parágrafos abaixo.

O filme inicia em tom alegre, com créditos coloridos, uma montagem esperta e uma trilha animada. Em seguida, somos apresentados a Grégoire Canvel, dono da Moon Films, produtora de cinema, responsável por quase 50 filmes. Ele não desgruda do celular para resolver problemas em várias de suas produções em andamento: um diretor sueco hiperdetalhista cujos filmes são sempre um fracasso de bilheteria, mas que Grégoire adora; uma equipe coreana que deveria vir para Paris com 8 pessoas, mas chega com 10 a mais, e ainda não tem metade das locações definidas; um filme em fase de finalização; e novos roteiros que sempre aparecem.

Logo no início do filme, ele está indo em direção a sua casa de campo, no subúrbio de Paris, aonde passa os finais de semana com sua família, composta por uma esposa italiana (Sylvia, interpretada por Chiara Caselli), uma filha adolescente (Clémence, personagem de Alice de Lencquesaing), e duas menores (Manelle Driss e Alice Gautier). Ele é atencioso com sua família, mesmo tem que dar umas escapulidas para falar ao celular e resolver problemas profissionais.

A seguir, somos apresentados por uma sequência de cenas que intensificam o cotidiano desta vida atribulada. Uma tentativa de férias na Itália, mas que só complica as coisas na produtora, a aposta que ele faz em um jovem roteirista (Igor Hansen-Love), o tempo que passa com as filhas etc. Não me vem a cabeça um retrato mais interessante e apaixonado de produtor de cinema, do que Mia Hansen-Love faz aqui em seu apenas segundo longa.  Essa primeira metade do filme é apresentada com um vigor impressionante, tamanho que o grande choque que acontece pega todos de surpresa.

É aqui que o filme traz sua grande virada, e aconselhamos aos que não viram e não querem ter sua experiência estragada a não progredirem na leitura e partir na procura do filme, antes de retornar.

Pois bem, após uma cena lindamente fotografada, numa ponte, em que Grégorie confessa toda sua exaustão para Sylvia, esta parte em uma viagem de trabalho para Londres. No dia seguinte, tudo parece normal. Mas ele segue até seu carro, pega algumas cartas e uma arma. Queima os papeis, e em seguida se mata. Vivemos então, praticamente um período de luto no filme. O tom diminui bastante, e a câmera simplesmente registra as emoções da família e dos amigos mais próximos. Mia permanece incrivelmente discreta e respeitosa, o que nos faz aprofundar na dor das personagens.

Sylvia, então, um personagem de apoio, vira a protagonista da segunda metade (e por consequência, do filme inteiro). Precisa balancear sua própria vida profissional, o luto com a morte do marido, ajudar suas filhas a seguirem em frente, e assumir uma combalida produtora, mas na qual o marido acreditava tanto, que ela tenta a todos custos manter na ativa.

Essa segunda metade do filme é consideravelmente mais lenta do que a primeira. No lugar de um adrenalizado Gregórie, temos uma serena Sylvia, que assume todos os compromissos, mas mantendo ainda uma linha diplomática, sem se exarcebar como fazia o marido. Voltando ao tema que apresentei no início do filme, ela não tem um amor ou interesse maior em seguir com a produtora, e sim terminar os últimos projetos do marido, de respeito e amor à sua figura, e seguir com a vida, pensando nas filhas e nela mesmo.

Tanto esforço, tanta dedicação do marido, que por fim lhe custaram a vida, foi de certa maneira em vão: o catálogo de quase 50 filmes terá de ser vendido para pagar dívidas, e ninguém na produtora parece agüentar as pressões suficientemente para seguir a carreira do patrão. É toda uma vida e todo um trabalho que é interrompido, restando apenas na memória de sua família, e no registro dos filmes.

Os resultados, então, ficam relegados a uma espécie de museu – memória coletiva, cinemateca – mas a geração seguinte (e a própria esposa) quer seguir caminhos próprios. Não é à toa que a figura de Grégorie permanece até a sequência final, pairando sobre todos os personagens, mesmo que de fato já não seja mais importante para o desenrolar dos fatos. Todos pensam nele, na sua falta e em seus desejos, mas seguem seus próprios caminhos.

A construção de personagens é impressionante. Todos eles são dignos de nosso interesse e compaixão, todos são seres humanos tridimensionados. Desde o casal protagonista, com características tão opostas, e nisso inclui grandes falhas (ele fugindo de tudo, e ela de certa maneira sendo omissa), até personagens coadjuvantes, como o diretor sueco que apesar de megalomaníaco apenas quer concluir seu projeto o qual tanto sonhou, e o jovem roteirista, que não é esquecido logo após a morte de Grégorie, nos lembrando que tal talento pode permanecer sem chances. Ele logo volta, aliás, como um interesse romântico da filha de Grégorie, numa subtrama mal desenvolvida, mas que produz cenas maravilhosas, como a da festa.

O filme consegue transitar entre as duas metades sem percalços e descobrimos que aquela primeira metade, tão fascinante por si só, era na verdade apenas um prelúdio do que o filme realmente trata: a dor de seguir em frente com a vida e abandonar antigos projetos, mas como algo intrinsecamente ligado a própria condição e existência humana, de formar passados, mas sempre correndo atrás de um futuro novo e imprevisto / imprevisível.

Comentários (1)

Wellington JS | domingo, 22 de Janeiro de 2012 - 13:14

Esse chegou meio atrasado por aqui, mandaram via PAC...

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