6,5
O cinema de Laurent Cantet transpira reflexos sociais, ofertando discussão sem doutrinamento. Não importa o tema, as diferentes culturas e povos de distintas etnias consagram seu cinema que se apropria de temas da contemporaneidade para articular os discursos de seus refinados textos, o que inevitavelmente rende discussões e assegura atenção do público consciente do que irá encontrar ao aceitar assistir algo do realizador. Cantet é reconhecido como um autor de apelo social. E se assim se posiciona, toma partido acerca dos assuntos que busca retratar; e é muito interessante vê-lo criar debates dentro de seus filmes, provocando os personagens. Aqui, em A Trama, faz isso com bastante competência.
Uma escritora de romances é convidada a ministrar um workshop com adolescentes de uma pequena cidade francesa. Um dos objetivos dos encontros é escrever uma ficção coletivamente, tendo como mote um crime e seus adventos. Durante a escrita, precisam fazer uso da história do país e também aproveitar de temas atuais. Diante de tal proposição, os alunos expressam divergências de opinião defendendo pontos de vista que resgatam suas histórias e de suas famílias, o que implica fatalmente em questões relacionadas a imigração, crise econômica, fundamentalismo religioso e ataques terroristas na Europa. Entre os alunos está Antoine, cujo comportamento violento e ideais extremistas minam a boa convivência das reuniões, entrando constantemente em choque com o pensamento do heterogêneo grupo.
O roteiro se desprende de arquétipos de estruturação de personagens a fim de criar uma base de relação na convivência e assim desconstruir estereótipos que o espectador possa ter a respeito de ideologias ou costumes. Todos são apresentados segundo suas particularidades morais e afinidades pessoais. Eles pensam entre si e diferenciam-se. O que interessa é justamente esse âmbito grupal onde um dos membros sobressai com propostas violentas e termina subitamente questionado e ignorado pelos colegas. Mera reação à violência. E há um preço quando se tem em conta a discórdia.
A trama da história proposta pela literata Olivia (Marina Foïs em ótima performance) envolve um crime. Como podemos determinar que foi um crime? Ela pergunta. Atenta a detalhes, ouve opiniões sobre motivações para o homicídio, indo em convergência a um acontecimento simbólico ocorrido entre os membros participantes. A realidade ilustra a ficção da elaboração escrita. O enfoque é similar ao de A Onda (Welle, Die, 2008), de Dennis Gansel, todavia num arranjo bem mais reflexivo.
A obra é construída em cima de reflexões subjetivas, com uma ideia sobre a mesa e discussões divagantes. O filme passa quase que o tempo inteiro nesse recinto, favorecendo a aproximação do público com o grupo e seus indivíduos, reconhecendo cada um em suas origens, lutas, e ambientando o tempo com os recentes acontecimentos mundiais, tal como a guerra na Síria.
Um roteiro pode ser sustentado por um debate? Laurent Cantet é bastante hábil nessa condição e dá conta de conduzir a discussão sem comprometer a identidade dos personagens que sempre trazem considerações pertinentes, revelando-se em suas subjetividades. A progressista escritora está à frente de jovens incertos de concepções políticas e filosóficas, e também aparece enquanto mediadora dos conflitos entre eles, inspirando-os para que busquem soluções, e que as soluções os motivem a serem melhores uns com os outros.
Visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
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