Já falei desse filme sucintamente no início do ano. Como falei é um filme para ser desvendado a cada momento que é assistido. Apesar de difícil, é um filme que vale a pena tentar interpretá-lo. Um filme que não tem respostas fáceis e por isso nos instiga.
Descrever uma sinopse do filme é escrever para explicar o nada. Logo no início temos imagens em preto e branco de um garoto correndo e um homem que arremessa algo no chão. Essas imagens foram capturadas por Étienne-Jules Marey. Ele elaborou um trabalho importante no desenvolvimento da cardiologia, da aviação, foi um dos pioneiros da fotografia e da história do cinema. Sua pesquisa sobre como capturar imagens em movimento ajudou o campo emergente da cinematografia. Então nosso diretor Leos Carax vai buscar no começo da captura de movimentos, ou seja, no início da cinematografia essas imagens para dentro do contexto do filme, criticar o cinema contemporâneo e nos dizer que precisamos retornar ou reinventar um novo cinema. Arrisco dizer que essas imagens buscam também, novamente dentro do contexto do filme criticar aqueles que vêem no cinema um passa tempo, espectadores que estão perdendo o encanto por essa arte. Sobre isso irei falar mais adiante.
Após alguns letreiros e essas imagens o filme se inicia com uma platéia dormindo no cinema. Apesar de não estarmos vendo as imagens parece uma cena dramática, tensa, em que há um assassinato, porém nossa platéia no meio desse suposto assassinato se encontra indiferente. O som que sai do filme acaba passando pelas paredes do cinema e acorda alguém que dormia em um quarto. Esse, digamos dorminhoco, é nosso diretor, Leos Carax que acorda com esse som. Em seguida ele busca saber de onde vem esse som e somos presenteados com uma cena surreal e descobrimos que nosso dorminhoco estava apenas a uma parede da sala de cinema. Podemos pensar que esse cinema que nos provoca uma indiferença com que se passa na tela, nos faz entrar em um estado letárgico e assim faz com que nosso diretor reflita, ora nostalgicamente ora tentando elaborar um filme de vanguarda, fazendo com que pensemos como estamos vivendo um cinema mais pobre e como os cineastas devem também pensar no que fazer para realizar um cinema novo. Pensando dessa maneira alguns irão pensar em pretensão, mas para mim ele quer que nós (cineastas e público em geral) acordemos e reflitamos sobre uma mediocridade que estamos vivendo em termos de arte cinematográfica (como já falei anteriormente é lógico que essa afirmação está sujeita a inúmeras exceções e que é mais usado para sugerir do que definir).
Logo depois desse momento surreal somos apresentados ao Sr. Oscar (Denis Lavant) que após se despedir aparentemente de sua família vai trabalhar como muitos fazem todas as manhãs. Só que seu trabalho é acompanhado por uma motorista, que dirige uma limusine, que o leva a vários locais de Paris para ele se transformar em outra pessoa, ou porque não dizer em outro personagem. A partir desse momento entramos na montanha russa que é a vida do Sr Oscar. Como sua motorista lhe diz, neste dia ele terá nove encontros. Cada um desses encontros, ele será outra pessoa, e cada encontro podemos tentar desvendar o que nosso diretor quer nos passar. Na verdade acho que aqui não cabe uma interpretação e sim várias. Cada espectador pode interpretar da maneira que quiser, pois na verdade ele quer nos provocar a pensar e sair daquele estado letárgico de que falei no início.
Então embarcamos em pequenas histórias que podem significar muito, pouco ou nada para cada um. Logo no início a senhora pedinte diz que está cansada de olhar para o chão. Será que vem aí uma crítica aos cineastas que não conseguem vislumbrar algo maior em termos de cinema, acabam repetindo fórmulas e realizando um tipo de arte repetitiva. Com uma fórmula batida. Reparem como assistimos filmes que não mexem com nossos neurônios e passamos o filme apenas a olhar para uma tela grande sem esbanjarmos qualquer emoção. Logo adiante temos a parte do filme que aborda um pai buscando sua filha em uma festa. Na festa toca uma música chamada Can't Get You Out Of My Head da cantora/atriz Kylie Minogue (que inclusive está no filme) que em minha opinião pode ser uma metáfora para outra história que passa em um hotel que já fechou as portas em que a própria Kylie Minogue interpreta um amor antigo do Sr. Oscar. Voltando ao assunto em que o pai busca sua filha, temos um diálogo excelente que termina com um dos melhores castigos para quem não gosta de si mesmo, além de levantar uma excelente discussão: Às vezes a mentira é necessária para deixar as pessoas felizes? Falar a verdade pode deixar os outros muito tristes. Será? Então como deveremos viver?
Após um intervalo que nos apresenta uma canção excelente e mais uma história, temos a conversa com o homem da marca de nascença. Temos um dos melhores diálogos do filme. Quando Oscar e ele conversam fala-se muito do poder de interpretar alguém. Ofício, em minha opinião, difícil. Aborda que o ator não está conseguindo que os espectadores acreditem mais em cada papel. Ainda se pergunta o porquê ainda Oscar continua atuando. A resposta é excelente: A beleza do gesto. Realmente quando há uma boa atuação ficamos maravilhados. Quantas vezes assistimos a filmes que praticamente o ator o salva. Mas há uma contra resposta. A beleza está nos olhos de quem a vê e se ninguém a vê? Nesse diálogo vejo duas considerações: A primeira a respeito da atuação do ator como já citei acima e a segunda referente a espectadores que não conseguem enxergar além de uma projeção sobre uma tela grande. O cérebro se desliga ao assistir a filmes. É apenas um momento para relaxar e dessa maneira, com o cérebro desligado não se consegue enxergar a beleza do gesto de atuar. Quem realmente ama o cinema, que fica embriagado com aquelas imagens, não pode ficar passivo a tudo o que está assistindo, pois o cinema é muito mais que um simples passar de tempo. Não posso deixar passar que neste filme Denis Lavant nos presenteia com ótimas interpretações.
Acredito que o filme também tem uma natureza nostálgica resgatando alguns gêneros cinematográficos e o seu nome também pode sugerir algo. Enfim, cada um terá sua interpretação, aqui é só mais uma e é isso que faz com que esse filme seja sensacional.
OBS: O filme também pode ser considerado uma crítica ao homem moderno, pois temos a indiferença no episódio da mendiga, a falta de diálogo com a filha, a natureza que vai de encontro ao homem no episódio de M. Merde e por aí vai.
http://embriagadospelocinema.blogspot.com.br/2013/06/critica-holy-motors.html
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