Pai me ensina a ser Palhaço... (Cordel Do Fogo Encantado – O Palhaço do Circo sem Futuro)
Como na música do Cordel do Fogo Encantado, esse é o legado que Valdemar/Puro Sangue (Paulo José) deixa para o filho Benjamin/Pangaré (Selton Mello). Donos do itinerante circo Esperança ganham a vida viajando pelo sertão Brasileiro armando a sua precária lona em busca de alguns trocados. Por ser um circo puramente humano, sem Leões, Elefantes ou atrações como Globo da Morte, Trapezista (Satirizada em um momento de diálogo entre Pangaré e a personagem de Fabiana Carla), a força motriz dessa trupe é a integração entre os artistas e principalmente o entrosamento entre pai e filho, os dois palhaços que carregam o circo nas costas.
Roteirizado por Selton Mello, em sua segunda incursão também como diretor após o excelente Feliz Natal, e Marcelo Vindicatto, o filme centra na relação entre os integrantes desse circo, dentro e fora do picadeiro onde agem como uma enorme família. Um anão e um Negro Grande que são amigos inseparáveis, a dupla de irmãos responsáveis pela sonoplastia, Dona Zara, responsável pela personificação matriarcal da família, Um mágico, sua mulher e sua filha (que possui um importante papel na trama), a bela e enigmática Lola e outros que se revezam constantemente nas funções, o mágico, no dia seguinte está vendendo paçoca e por assim vai.
Na primeira cena do filme, em um plano aberto em que a caravana do circo vem passando por uma plantação de cana, vemos a primeira das muitas vezes em que Selton usa a linguagem visual para dialogar com o espectador sobre velhas convenções. Quando o Circo passa, a cidade para. E é de uma força visual impressionante ver os trabalhadores que se esgotam no duro trabalho do cultivo de cana, parar sua labuta para abrir o sorriso ao ver o circo passar como se estivessem se permitindo sonhar.
"Uma vez eu ouvi uma piada:
O homem foi ao médico e disse estar deprimido. Disse que a vida parecia dura e cruel. Disse que se sentia sozinho e ameaçado diante do mundo vago e incerto.
O médico diz que o tratamento é simples: "O Grande Palhaço Pagliacci estará na cidade está noite, vá vê-lo. Isso deve anima-lo".
O Homem explode em lágrimas e diz: "Mas doutor, Eu sou o Pagliacci”.
Benjamin é um homem de poucas palavras e muitas responsabilidades. Desde observar e orientar a montagem do picadeiro até arranjar um novo sutiã para uma das integrantes da trupe. Com o tempo, Benjamim vai sentindo o fardo e entra em uma crise existencial onde as dúvidas sobre a sua vida no circo se confundem com o seu desejo de pertencer à sociedade. Como observado no constante apelo visual do Ventilador, que simboliza o desejo de Benjamin de uma vida cotidiana. Que um simples objeto como um ventilador, represente os novos ares pelos quais Benjamim tanto anseia. “Eu faço os outros rirem, mas quem vai me fazer rir? ’. E em uma cena chave do filme, em uma das suas paradas pela estrada, Benjamim vai atrás do ventilador tão desejado apenas para constatar que não poderia comprá-lo a vista e nem parcela-lo por falta de RG, CPF e Comprovante de residência, o único documento que possui é sua velha certidão de nascimento.
Em um das suas apresentações, Benjamim conhece Ana, uma moça que assiste a apresentação e se engraça com ele, que apático e envolto na sua angústia, a trata com uma indiferença aparente. Após uma conversa chave com a personagem de Fabiana Carla e um acontecimento envolvendo seus colegas de circo e posteriormente ele, Benjamin se vê sem lugar ali e abandona a trupe às lagrimas com a sua partida.
Ansiando por encontrar Ana, que lhe deu o endereço, Benjamin parte em busca da cidade e do recinto onde ela trabalha. Devido a um obstáculo, a busca não é bem sucedida, então ele decide finalmente ir atrás da carteira de identidade que tanto desejava, já que ao tentar arrumar um emprego, novamente encontrava a bendita carteira como Percalço. Benjamin então faz a carteira, arruma um emprego e finalmente compra o bendito Ventilador. Mas continua angustiado, pois sente que não era isso que procurava.
O Gato Bebe Leite, O Rato come queijo, e eu, sou Palhaço...
Então, em uma reunião após o expediente de atendente, em uma loja de eletrodomésticos onde o diretor brinca com o plano em que Benjamim aparece entre vários ventiladores, ao observar um funcionário mais experiente contando piadas, vemos o tédio de ex-palhaço estampado, mas ao ver as outras pessoas sentadas na mesa rindo tanto, Benjamim finalmente entende. Ele percebe que tem o dom de causar aquele sentimento nas pessoas, aquela alegria de uma risada espontânea tão rara e pura que tantas vezes proporcionou. E então, Benjamim percebe que finalmente achou o que procurava na sua busca pela identidade. E em uma cena tocante, onde a emoção de telespectadores, personagens e de pai e filho se misturam, Benjamim volta para o circo.
Com inúmeras participações especiais como a de Emilio Orciolo Neto fazendo o papel de um vendedor de mapas picareta, Danton Mello (Irmão do Diretor) como o dono da loja onde Ana trabalha, Tonico Pereira como dois irmãos gêmeos donos de uma oficina, duas se sobressaem. Jackson Antunes, faz um dono de bar na beira de uma estrada. E em um monólogo com Paulo José diz : “O Gato Bebe Leite, O Rato Come Queijo, e eu, faço o que sei fazer”, frase que ecoará pelo resto do longa como uma afirmação da identidade dos palhaços. E Moacyr Franco rouba a cena como um delegado apaixonado por queijos e por seu Gato. Atente para o nome do delegado em contraste com a sua atitude nada ética em relação aos “presos”.
Selton Mello está correto como Benjamim embora se perca em momentos onde parece estar de volta à O Auto da Compadecida, encarnando Chicó com seu tom de voz alto e seus gestos bruscos. Paulo José brinca em cena e assusta se lembrarmos que mesmo com mal de Parkinson, o ator continua lúcido e totalmente capaz de suas funções que o transformaram em um dos grandes da dramaturgia nacional. Toda a trupe circense está em profunda sintonia, o que é vital para a empatia do público, e a menina Guilhermina (Larissa Manoela), filha do mágico, iluminador, contra regra e vendedor de paçoca e de uma das mulheres do bando, constantemente enquadrada, parece refletir as emoções que passam pelas pessoas com quem convive. Assim como os vários planos onde os personagens aparecem de costas com a câmera virada para a plateia, colocando assim, o espectador na pele do palhaço.
Ainda que insista em algumas Gag’s bobas, como toda a passagem relacionada ao personagem Borrachinha e sua fixação por cabras, O Palhaço acerta quando deixa a comédia de lado e investe nos dramas de seus personagens com uma sensibilidade tocante que em muitos momentos remetem à “Noites de Cabíria”, inclusive na maquiagem de Pangaré, o filme emociona com seus fantásticos personagens e com a busca de um homem que percebeu que ao buscar sua identidade, descobriu que era esse triste, porém adorável Palhaço Pagliacci. Bravo ! Fecham-se as cortinas.
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