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Críticas

Cineplayers

O mais novo vencedor de Cannes é emocionante, belo, tristíssimo, inteligente e profundamente reflexivo.

8,0

Vencedor do último Festival de Cannes, The Wind that Shakes the Barley (algo como “o vento que balança a cevada”) é um filme emocionante, belo, tristíssimo, inteligente e profundamente reflexivo. Um triunfo de seu realizador, o cineasta inglês Ken Loach, esquerdista inflamado, autor de grandes filmes, outros nem tanto, mas nunca descartável. Está no mesmo nível de seus melhores trabalhos, o grande Meu Nome É Joe, sobre um alcoólatra desempregado inglês de meia idade, e o sensacional Ladybird, Ladybird, a quase surreal história (baseada em fatos reais) da inglesa que teve sete filhos, mas teve cinco deles tomados pelo governo de seu país.

Esquerdista exaltado, Loach nunca deixa de botar em seus filmes a leréia esquerdista do complô das elites, a pregação anti-globalização e longos os discursos para as massas um tanto antiquados. Em especial nos piores trabalhos, como Pão e Rosas e A Canção de Carla, estão mais salientes. É curioso, mas quando Loach refreia seu maniqueísmo, mira na classe média baixa e nos governos de um maneira geral, não em relação a algum espectro político, ele acerta com mais força. É o caso deste The Wind that Shakes the Barley, que não tem nenhum ranço. Lúcido e implacável, não hesita em condenar a Inglaterra pelas desgraças causadas na Irlanda, mas tampouco tira dos irlandeses a culpa pelos seus próprios erros.

O filme conta a luta da Irlanda pela emancipação. É, portanto, um épico histórico, focado em dois irmãos (um deles, um impecável, maduro e impressionante Cilliam Murphy), que no início estão juntos na luta, depois se separam até o final trágico e fulminante. É quando os revolucionários não aceitam o acordo de paz, considerado uma humilhação por parte deles, e lançam as bases do que seria o terror do IRA, o Exército Republicano Irlandês, que tanto sofrimento causou à população, à economia e à política irlandesa. “Uma roça infestada de padres”, diz um partidário inglês, contra a revolução irlandesa, pois era o que imaginava ser o que aconteceria com o país se os próprios irlandeses chegassem ao poder.

Em seu estilo de filmar, Loach desdramatiza seus filmes, o que em tese explica seu pouco interesse que desperta no grande público. Mesmo tratando de histórias tocantes e de personagens cativantes, Loach não apela para o melodrama, mantém a classe e um distanciamento analítico, parecido com o proposto pelo dramaturgo alemão Bertold Brecht. Assim, mesmo nas cenas cruciais, não há a excruciante torrente de violinos cafonas a la John Williams de Hollywood. Pelo contrário: prevalece o silêncio ou, por vezes, alguns acordes discretos do compositor George Fenton.

Loach instiga seus atores a improvisar, a buscar emoção verdadeira, assim não há gritos histéricos, lágrimas em profusão e interpretações “maiores que a vida” que convencionou-se achar que são boas (em especial de atrizes que venceram o Oscar). Enfim, Loach é um diretor na contramão, não só esteticamente. Condena o governo de Tony Blair – a qual comparou ao de Fernando Henrique Cardoso. Assinou um documento de apoio à candidatura de Heloísa Helena no Brasil, pois considera Lula um traidor dos trabalhadores. Segundo ele, a luta continua.

Seus dois filmes mais recentes, Sweet Sixteen e The Navigators, foram desprezados pelos distribuidores brasileiros e não tiveram lançamento comercial no país. Talvez agora, com o prêmio máximo num dos mais importantes festivais de cinema do mundo, Loach possa voltar aos cinemas como se deve (Sweet Sixteen venceu também em Cannes o prêmio de roteiro, mas nem isso foi capaz de alguma distribuidora se animar).

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