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Críticas

Cineplayers

Ed Harris falha ao tentar subverter o faroeste.

4,5

O faroeste resiste e não morre. Um ou outro título de maior expressão chega ao circuito todos os anos, mantendo viva a memória deste que é considerado o gênero estadunidense por natureza. Em 2008 coube a Ed Harris e seu Appaloosa – Uma Cidade sem Lei trazer às platéias modernas mais uma revisitação ao bom e velho western.

Harris, com mais de trinta anos de carreira em frente às câmeras, já tinha se lançado como diretor no pouco visto Pollock, de 2000, um filme irregular, mas cheio de singularidades, nervoso, inconstante, assim como o biografado. Esse arrojo em seu primeiro trabalho valeu ao filme algumas indicações e prêmios e, curiosamente, nenhum para sua direção; o cume foi o Oscar de atriz coadjuvante para Marcia Gay Harden.

É interessante, portanto, que Harris tenha assumido um filme que invariavelmente teria de ser conduzido através de suas estruturas rígidas e consolidadas. O faroeste não é um gênero fácil de ser subvertido – O Segredo de Brokeback Mountain foi uma grande exceção –, e por isso mesmo esteja fadado cada vez mais ao esquecimento, ainda que muitos lutem contra isso, como bem fez Clint Eastwood em Os Imperdoáveis.

Essa busca por um diferencial em Appaloosa é que fez com que Harris perdesse a mão. Ao adaptar o romance do semi-desconhecido Robert B. Parker, ele (que também é autor do roteiro, junto a outro ator, Robert Knott) tentou trazer um certo humor, uma certa leveza, bem próximo que a televisão fazia décadas atrás em séries como Bonanza.  O efeito que surte é o pior possível, deixando-o descaracterizado, em um tom mais de sátira que de um filme de intenções sérias. Appaloosa acaba sofrendo por não apresentar tensão, por não criar no espectador o sentimento de aproximação pelos mocinhos ou de ira para com os bandidos – sim, a questão no faroeste gira ao redor de maniqueísmos. 

Retomando a parceria de Marcas da Violência, Viggo Mortensen (que parece se divertir muito em cena) e o próprio Harris (sim, ele também atua – além de produzir e escrever/cantar uma das canções) são dois amigos, Everett Hitch e Virgil Cole, respectivamente, que chegam à uma daquelas típicas cidades do Oeste estadunidense após a Guerra da Secessão para dar fim aos desmandos de um dos habitantes do lugar, o rancheiro Bragg (Jeremy Irons), que é acusado, dentre outras coisas, de ter assassinado o xerife. O embate entre os três é incrementado com a entrada em cena de Allie (Renée Zellweger), viúva que chega ao lugarejo sem passado e sem dinheiro.

O enredo, bem simplista como de praxe no faroeste, gira ao redor destes quatro personagens – e a sensação que se tem constantemente é que falta estofo à história, cheia de situações que acrescentam praticamente nada, como as desnecessárias conversas entre Hitch e sua amante (Ariadna Gil). Nem mesmo as convenções do gênero, como a criação de uma atmosfera de tensão momentos antes dos duelos, é mantida, tendo Harris preferido uma ação imediata. É diferente, mas sem impacto.

O roteiro prefere se concentrar na criação de cenas de gosto duvidoso, como quando há o primeiro embate entre a dupla Cole/Hitch e alguns capangas de Bragg. Beira ao constrangedor o diálogo da cena, envolvendo o ato de urinar. Ou ainda a insistência em fazer piada com o baixo intelecto de Cole, tendo Hitch o tempo todo a ajudá-lo. Mas nada, nada mesmo, é mais irritante que Renée Zellweger apresentando mais uma vez seu enorme estoque de caretas. 

A fotografia de Dean Semler, vencedor do Oscar por Dança com Lobos, destaca-se, com alguns enquadramentos atípicos, principalmente os das cenas de duelos, meio laterais, sem muita profundidade, mas não consegue transmitir a grandiosidade das locações no Novo México. O próprio espaço mítico do gênero, tão característico e importante, não consegue se impor.

Outra falha do longa-metragem é em relação aos indígenas. Ao tentar incorporar o máximo possível de elementos, os dito selvagens tem uma participação ínfima e que poderia muito bem ter ficado na sala de edição – esta, também falha em pelo menos duas ocasiões, fazendo aproximações temporais que saltam aos olhos pela falta de coerência.

Appaloosa só não chega a ser um desastre completo pela força de seus dois protagonistas, hábeis e carismáticos. Mas o faroeste, desta vez, não foi representado à altura de sua importância para a história do cinema.

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