Crítica: A Bela e a Fera (2017) - Sophia Mendonça
Contos de fadas sempre me encantaram porque tem mais a dizer do que podemos imaginar numa análise rasa. A Bela e a Fera (Beauty and The Beast, 2017), remake em live-action da animação de 1991 (primeiro desenho animado a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme), é particularmente rico na simbologia por trás da história.
A trama do jovem príncipe rico e arrogante, transformado em um monstro que só pode ser resgatado pelo amor verdadeiro e recíproco, leva à reflexão sobre nossas atitudes e ações para além de toda a beleza visual e dos excelentes números musicais.
De forma bastante inventiva, o experiente cineasta Bill Condon (do também musical Dreamgirls — Em Busca de um Sonho [Dreamgirls], 2006]), que rendeu o Oscar a Jennifer Hudson) nos encanta com essa trajetória que envolve a lei das causas e efeitos, mas sem o fatalismo religioso. Como na lei, em A Bela e a Fera, a única forma de amenizar ou até eliminar o efeito de causas do passado é por meio da própria revolução humana tornar-se uma pessoa melhor. A lei da causa e efeito é representada pela feiticeira que coloca o encanto no príncipe para ele aprender que não se pode julgar pela aparência.
Durante a trama, a feiticeira está presente entre os personagens do vilarejo como uma pessoa comum, ignorada pelos demais e que volta a agir ao cuidar do pai de Bela que, por ter dado causas positivas, tem o efeito de se livrar de uma emboscada.
E por falar nessa dinâmica, o romance entre a Bela (vivida por Emma Watson, de Harry Potter, uma atriz muito interessante que já havia mostrado sua versatilidade no drama Bling Ring — A Gangue de Hollywood [(The Bling Ring, 2013], de Sofia Coppola) e a Fera (Dan Stevens, de Downton Abbey, [idem, 2010-2015]) é um dos pontos fortes do filme.
O interessante é que tanto a Bela quanto a Fera fogem dos estereótipos comuns a príncipes e princesas de filmes da Disney. Enquanto a Fera é, num primeiro momento, um príncipe vaidoso e arrogante, a Bela de Emma Watson parece apresentar traços bem evidentes da Síndrome de Asperger (um transtorno do espectro autista). Assim, apesar desta beleza física, ela no fundo não é tão diferente da Fera: se sente deslocada na aldeia onde vive, não consegue ter uma relação boa com os vizinhos, é vista como esquisita e tem até mesmo o hiperfoco em leitura.
Embora essa versão tenha recebido acusações de glorificar a Síndrome de Estocolmo (algo rebatido pela protagonista), Bela na verdade não apresenta em nenhum momento um comportamento passivo, mesmo quando está perto de se apaixonar pela Fera.
Aliás, acompanhar pouco a pouco a construção dessa relação é um dos muitos prazeres do filme. Apesar de elementos fantásticos na narrativa, o que se vê na produção é o surgimento palpável de um sentimento genuíno no casal.
A Bela e a Fera inova também ao trazer um personagem homossexual em um filme da Disney e, de maneira sutil, abordar os seus conflitos internos. Ainda que o personagem não fuja de algumas caricaturas e não haja maior aprofundamento nesta subtrama, não deixa de ser uma decisão interessante da Disney ao trazer essa representatividade. Até porque o compositor Howard Ashman, responsável pela sublime trilha sonora, também era homossexual.
Ashman faleceu de AIDS e não chegou sequer a ver a versão de 1991 nos cinemas. Muitos dos seus sentimentos como pessoa com AIDS foram transferidos de maneira sensível para o filme e, por causa disso, o personagem da Fera também pode ser encarado como uma metáfora interessante para a AIDS.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário