"Os Amantes Passageiros" representa a volta de Pedro Almodóvar às comédias escrachadas que fazia no início de sua carreira, tida por muitos como um período de experimentação e evolução do diretor até a sua fase mais madura e mais notória, iniciada com "Carne Trêmula" (1997). Tendo isso em mente, seria razoável esperar que esse retorno fosse marcado pela segurança e experiência adquiridas ao longo dos anos na função, mas não é isso o que se vê durante os inconstantes 90 minutos de duração.
Com um pertinente aviso de que o filme é baseado em uma história fictícia, "Os Amantes Passageiros" é quase que inteiramente centrado num voo entre as cidades de Madri e Cidade do México. Após uma confusão nos preparativos para a decolagem, fica-se sabendo que há um problema no trem de pouso que impede a aeronave de pousar em condições normais, razão pela qual os pilotos resolvem voar em círculos até que uma solução seja dada. Enquanto isso, a variedade de pessoas excêntricas que estão a bordo, reagem, cada um, a sua maneira, transformando um ambiente já tenso em uma sucessão de bizarrices.
Desde o promissor início, pontuado por situações engraçadas e bem colocadas, Almodóvar dá a entender que seu filme não se resume a uma mera comédia de comportamentos. Por meio de notícias de jornais lidas pelos personagens e por uma série de analogias, que vão desde o nome da companhia aérea – Península (referência à Ibéria) -, até a elaboração de alguns dos planos (como o plano inicial, de eixo tortuoso, em referência à desestabilização que se virá a seguir), o diretor constrói a sua metáfora da situação econômica atual da Espanha. O maior exemplo disso é a situação vista dentro do avião, em que a classe econômica, menos privilegiada, é dopada até entrar em sono profundo, no intuito de que os problemas técnicos da aeronave lhe sejam escondidos, ao passo que os tripulantes da primeira classe tentam lidar com o imbróglio. Ou seja, uma clara alusão ao momento político-econômico atual do país, no qual os detentores do poder mascaram a verdadeira realidade das classes mais baixas da população.
Valendo-se desse fundo crítico, o longa caminha bem até a sua metade, quando Almodóvar começa a perder a mão de sua história em função de algumas opções narrativas bem duvidosas. A primeira delas é o abrupto corte feito já no miolo do filme, em que a história sai de dentro do avião para focar-se num drama pessoal de um dos passageiros sem a menor razão de ser dentro do conjunto narrativo. Soa mais como um preenchimento de metragem do que um momento essencial para o desenrolar da obra.
Além disso, temos uma série de personagens que, apesar de sua função dentro da crítica do filme (o empresário falido e fugitivo, a socialite dominatrix, etc), passam a se envolver em situações totalmente exageradas e inverossímeis, como a sequência musical entre os comissários de bordo ou a cena em que um verdadeiro bacanal é instaurado dentro da aeronave. Isso sem contar os inúmeros diálogos de cunho sexual e homoerótico, que acentuam o tom de humor provocado e relativizam a veia crítica que se tentava desenvolver no filme.
Portanto, se "Os Amantes Passageiros" dava indícios de fugir das armadilhas das comédias contemporâneas sem sal, procurando estabelecer um pano de fundo tematicamente pertinente com a sua época, ele logo descamba para o tom superlativo inerente a todo obra que não sabe qual o caminho a ser seguido. Por conta dessa mão pesada e desse humor forçado, a metáfora que antes se aplicava a Espanha, acaba sendo involuntariamente destinada ao próprio filme: decola bem, mas fica girando sem rumo até encontrar o possível pouso forçado.
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