Os filmes não são como vinhos. O tempo, para boa parte das películas, não lhes faz muito bem. E os dois gêneros que mais sofrem com o passar dos anos são terror e ficção científica. Com o olhar de hoje, é impossível não assistir ao clássico seriado televiso “Perdidos no Espaço” sem sentir um pouquinho de incômodo com os efeitos especiais dignos de Chapolin. Ainda que tal programa do simpático Robô B9 seja muito bom, é inegável que parte do impacto que os seus criadores imaginaram está relacionado aos efeitos visuais, que não envelheceram bem. Já os filmes de terror...bem, existem episódios de “Coragem: o Cão Covarde” mais assustadores que os clássicos do terror das décadas de 1930 a 1950, que hoje são vistos mais como filmes charmosos que assustadores. Mas existe um pérola da sétima arte que, de tão preciosa, consegue unir os dois gêneros e não envelhecer com o passar das décadas: “Alien, O Oitavo Passageiro”, de Ridley Scott, lançado em 1979.
O filme é retratado em uma estranha realidade futurística. Uma nave de carga de minérios está voltando para a Terra, com a sua tripulação sedada, quando recebe um sinal que é interpretado como um S.O.S. Porém, quando os tripulantes descem para averiguar, uma série de coisas realmente bizarras acontece.
A primeira parte do filme possui um ritmo lento. Lento como a aparição dos traços que formam a palavra “Alien” na abertura. Lento como o modo em que os tripulantes se levantam nas camas quando acordados. Os cortes de uma sequência para outra são suaves, mesmo em cenas que já possuem certa tensão. Aliás, aqui vai um bom ponto positivo para Scott e para o grande Jerry Goldsmith, conhecido por seu trabalho na composição da trilha sonora de Star Trek. O trabalho de Goldsmith em criar uma trilha suave e que consiga trazer tensão para essa primeira parte do filme se encaixa de maneira perfeita com o ritmo que Ridley Scott dá ao andamento do filme. Ainda na parte técnica, também se dá um voto de louvor ao cenário do interior da nave. Enquanto filmes e seriados de ficção cintífica mostravam naves espaciais como locais cheios de luzes e com uma tecnologia quase infalíveis, aqui a nave é suja e escura, combinando até com a tripulação, que não são corajosos exploradores espaciais como Capitão Kirk e Spock. Mas sim pessoas atrás de dinheiro, topando viajar em um cargueiro de minérios por distâncias inimagináveis. Isso possui um significado especial nesse filme, que será tratado mais adiante.
Ainda sobre o ritmo do filme, vale ressaltar mais uma coisa. Como esse é um filme de 1979, bebeu-se muito de dois clássicos do gênero dessa década “Tubarão” e “Massacre da Serra Elétrica”. Em ambos, o espectador, que já meio que sabe do monstro, fica na expectativa para vê-lo. Mas Steven Spiealberg e Toby Hooper fazem questão de cozinhar a tensão até que, no momento certo, o monstro aparece. Ridley Scott usou com perfeição essa mesma técnica. O cenário, a expressão facial dos tripulantes. Tudo indicava que as coisas iam, em breve, dar muito errado.
Quando os exploradores chegam no local do onde foi enviado o sinal, encontram estranhos vestígios de uma civilização extraterrestre (vale a pena prestar atenção em cada detalhe dessa cena, pois há várias referências utilizadas nas sequências do filme). Então quando um deles observa o que parece ser um ovo, uma larva sai e o ataca. Nesse momento, há um corte na cena. Um corte abrupto, rápido. Estava acabando o ritmo lento. Estava acabando o “banho-maria” da tensão do filme. O terror verdadeiro ia começar. O Alien, verdadeira estrela do filme, estrou em cena.
É de se aplaudir como os momentos em que este adorável etê até hoje dão medo. Seja quando o seu vetor está enroscado no rosto e no pescoço do tripulante, seja na clássicas cena da mesa ou quando o monstrengo aparece em sua forma completa pela primeira vez. Tudo parece real e medonho. A metamorfose do bicho também é fascinante, pois é gradual, assim como o ritmo do filme. Ovo, vetor, parasita, forma adulta. Em 1979, foi apresentado no cinema, sem precisar daquelas explicações enfadonhas de personagens cientistas, o ciclo de vida daquele que, talvez, seja o monstro definitivo dessa arte.
Uma das coisas mais legais desse filme é o modo como a tripulação, em especial a Oficial Ripley (uma das melhores protagonistas femininas de todos os tempos). Quando o aparato tecnológico deles falha, seria como se voltassem ao estado primitivo do homem, quando uma fera pode matá-lo. E o que eles usam para combater essa besta? O fogo, tal qual os homens das cavernas. Genial!
Por último, deve-se postar aqui a analogia mais forte desse filme, que serve até hoje, com o terrorismo. Especialmente hoje na verdade (como esse filme envelheceu bem!). Alguns fãs o veem como uma analogia ao colonialismo e ao terrorismo. No passado e no presente, como a Grã-Bretanha, a França ou os EUA saem em busca de riquezas, explorar outros lugares (Ásia e África) e os abandona. Entretanto, isso tem um retorno, que, como o Alien, os atinge de dentro para fora (vide os ataques de 11 de setembro nos EUA e 13 de novembro na França). Um preço caro. Um indesejável e incontrolável monstro se cria. Um monstro que quando sangra atravessa camadas da nave e da sociedade.
Um monstro do terror, em todas os sentidos da palavra.
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