Uma investida colonial estraçalhada por um alienígena fálico
Material Sci-Fi que virara ícone de gerações e influenciaria tantos outros artistas nas mais diferenciadas searas. Fincou de vez o terror alienígena na ficção moderna não somente com o medo, mas com o assombro ideológico do fim de uma embriaguez ao fim dos anos 70. Tecnologia política e sexualidade bruta.
Faço aqui uma espécie de leitura sebosamente marxista do negócio. A profundidade discursiva do terror. Temos toda uma questão conjuntural metafórica interessante acerca do capitalismo neoliberal e seus benefícios e malefícios, e em como o ser humano reage diante do desespero antropomorfizado na criatura alienígena escrota. Ridley Scott (com usufruto do excelente roteiro de Dan O'Bannon e Ronald Shusett) adentra na ressaca que a nova hollywood começava a ter numa mistura de sentimentos de não indulgência para com os malefícios da década, e compõe uma atmosfera suja, asquerosa para que o babão alien possa se manifestar.
Abertura para os governos Margaret Thatcher e Ronald Reagan para Inglaterra e EUA respectivamente, na transformação do estado de bem estar social advindo de fins da segunda guerra para dar lugar e aconchego ao neoliberalismo. Situação transposta e exemplificada nas discussões dos personagens em relação às suas cotas e pagamentos a serem recebidos por suas labutas discutindo-se questões contratuais exploracionistas. A luta de classes. Aqui o trabalhador inglês braçal sindicalista tão persona non grata na governança conservadora thatcherista (até como uma espécie de projeção/coincidência(?) também, Thatcher já era líder do partido conservador desde 1975, mas só se tornaria primeira-ministra em 1979) é exemplificado nas figuras de Parker e Brett, que buscam melhorias e consideram-se inferiores não somente pelo pagamento, mas pela hierarquia de trabalho que os coloca em condições tanto de inferioridade, quanto de insalubridade.
Esta problemática é tratada por Scott com sagacidade e ironia expondo as ineficiências hierárquicas dum grupo acerca de ordenanças superiores à nave que não compactuam com o bem do coletivo da tripulação. Aliás, os dispensam muito claramente em um dado momento. A figura do androide só aceita sua condição por já ser programado para tal em sua composição. Este último representa a ironia cínica do sistema da empresa, que espirra o coletivo de um lado para o outro buscando promover justificativas de seus meios para seus fins nos usufrutos da tripulação como massa de manobra que justifique o esquema de cobaia para o assassínio da arma biológica tão desejada. O trato é com sarcasmo e um puta sarro quando Ash – em impressionante atuação de Ian Holm, que todas as suas nuances trazem nitidamente a sensação de que os verdadeiros impulsos motivacionais de tudo que os cercam ainda estão por vir – diz ter simpatia pela sobrevivência humana perante o monstro. A quebra dos ovos para um omelete escuso no futuro.
A criação de ambiência, além de suja, é evidenciada como claustrofóbica diminuindo a cada instante diante da ameaça em constância. Tudo aquilo representando o desespero diante do desconhecido perigoso que não se entende, trazendo a animalização instintiva humana à pauta. A empresa Weyland-Yutani quer o estudo do alienígena como futura arma biológica de suas empreitadas coloniais e logo dispensa a tripulação da nave Nostromo. Num adendo maroto meu, Nostromo já existe com carga imperialista em sua nomenclatura. Nostromo (1904) é um romance de Joseph Conrad (Coração das Trevas - Heart of Darkness, 1902) que se propõe a criticar ironicamente o imperialismo inglês (principalmente) no que tange aos seus assombros megalomaníacos seja na África ou na América. Interessante notar que o próprio Conrad não conseguia enxergar algum movimento anti-imperialista como organizado pelo colonizado, e sim por alguma maracutaia imperialista ou desorganização dos oprimidos. A visão do outro de Conrad propunha o domínio ocidental sem contornos de defesa legítima para o colonizado, como apontara o crítico literário palestino Edward Said sobre a obra de Joseph Conrad, no material Cultura e Imperialismo (Culture and Imperialism, 1993). A nave Nostromo seria o símbolo de um domínio que pouco se importara com o outro e que não acreditaria em revanches negativas por desconhecimento e por puro crédito em seu poder de seus estratagemas considerados superiores. Ridley Scott usa do Alien como uma figura ofensiva que pode (tentativa) ser conduzida para os próprios meios de domínio imperial. Aqui chegamos num ponto genial da abordagem scottiana neste alien. A utilização do perigoso desconhecido como arma contra os alcunhados inferiorizados futuros. A captação de uma força criada pelo imperialismo como um castigo primal, uma ofensiva brutal dentro dos descomunais esforços de crescimento imperialista. O fato de Conrad não crer na resolução dos colonizados via revolução pode ser considerada na fita discutida, quando quem criara o Alien que destruiria tudo tenha sido a própria Weyland-Yutani. Um círculo vicioso maldito.
O poder do não reconhecimento do outro volta para a tripulação onde a revolta dos mesmos se dá diante de sua situação quando os intentos de seus patronos são colocados à mesa. O contra-ataque do Alien é por implacabilidade não seletiva, a destruição do outro diante de uma tomada de território. Um ser que está na pista pela sobrevivência de sua espécie. Não tem culpa de ter sido criado, mas está ali para justificar exatamente isso. A criação. Independentemente de quem o criara. Um bicho incontrolável. Que não debate, não tergiversa. Só sobrevive.
Nada é perdido aqui, a hierarquia militar farsesca é mero esquematismo forjado a incitar regras que, a posteriori, são descobertas como moribundas em seu nascedouro. Tanto que é interessante explicitar o paradoxo sarcástico da personagem de Ellen Ripley. A figura sempre desconfiada de tudo, que debate acerca das cadeiras de comando, discute as regras, tem a representatividade do olhar diferenciado de uma figura onde, nos moldes paternalistas, não seria adquirida nos meios políticos e hierárquicos aos moldes ocidentais. Somos apresentados a seus aspectos instigantes e fortes onde sempre busca agir e liderar na resolução do todo. A primeira a reconhecer que a força Alien existe mediante um trunfo militar de seus contratantes.
O curto elenco põe em tela toda a diversificação proposta por Scott com o uso de alguns arquétipos colocando-os em contornos sacanas, sarcásticos em relação à política trabalhista/expansionista da empresa. Cada um deles bem trabalhado, apesar do pouco espaço em tela de alguns. Desde o braçal escapista Brett (Harry Dean Stanton) ao chefe, inicialmente representante maior da Weyland-Yutani, Tom Skeritt. Todos fazem muito bem suas funções que são vitimadas pelo poder do outro por seguir suas condutas de trabalho e obediência. Onde a desobediência e a desconfiança de Ripley (a musa Sci-Fi Sigourney Weaver) a tornam dispare deste universo.
Para compor o todo planejado, a parte técnica é esquema primordial. Esplendorosa fotografia de Derek Vanlint – em conluio com Scott, que segundo Vanlint, o diretor teria assumido grande parte da fotografia e que não fora creditado também como tal por questões sindicais –, que codifica o universo sujo e análogo proposto, onde a claustrofobia é um mecanismo de exclusão física dos espaços, e que seus significados vão sendo alimentados pela violência crescente de seu monstro principal. Somada ao ótimo processo de edição de Terry Rawlings, moldando o desconhecido como um vulto inicial alavancando sua presença física nos limiares das existências dos tripulantes. A questão física tanto dos espaços quanto do alienígena aqui, são explicitados propositalmente diante este universo é concatenado. O combate entre os espaços, a dialética do diminuto fechado com o avantajar do considerado monstruoso, além dos laureados efeitos visuais. Um dos grandes trabalhos visuais já intencionados e criados no cinema. Seguido a este processo está a direção de arte espetacular que cria um sem-número de artefatos que dialogam com toda proposta narrativa. Além de conterem a veracidade cênica absurda na verossimilhança daquele universo. E não esqueço da ótima trilha sonora de Jerry Goldsmith que perpassa diante do longa como uma composição colérica que narra a desconstrução duma tripulação por uma força eficaz. Exalta bem demais o climão característico do sci-fi de terror.
A escolha do artista plástico suíço H.R. Giger para o design da fera, foi para além de sua capacidade absurda como um criador de figuras rebuscadas e assustadoras somente, mas, sim pela característica visual sexual de sua obra. Visto em obras suas como Necronom IV de 1976 (que servira de base para Alien) é mostrado o aspecto claramente fálico da cabeça do alienígena, isto somado a sua boca interna de falicismo similar. Sexo é relação de poder aqui. A demonstração do interesse pelo poder. Onde a empresa Weyland-Yutani compõe esforços para a aquisição deste ser. O ser como uma conquista e como uma forma de controle a ser alcançada. Controle. Estupro. A dimensão desse filme é absurda. Além da política latente, existe esta questão absolutamente sexual, que não somente o Alien é arepresentação, mas as ações de alguns personagens deixam isso no óbvio abuso. Como quando Ash decide eliminar Ripley com uma revista erótica enfiada em sua boca numa sala cercada de pôsteres de mulheres seminuas. É a imposição de poder através da violência sexual. Por isso o Alien tem aquele formato fálico. Vai destruindo a tripulação fisicamente, num balé sexual da morte em movimentos eróticos. Esta dança sexual e o abuso do alienígena naquele ambiente abarrotado de terror, tecnologia e política, servem de molde coeso para uma estruturação bem característica e sofisticada daquilo que o horror pode proporcionar quando quer alçar voos outros. Nada mais escroto que um monstro criado dentro desta maçaroca. Impõe-se como ponta de lança duma reação ao ideário colonialista, tendo sido criado por ele, e usa do operacional abusivo da violência sexualizada. Esta dialética é extraordinária. O monstro fálico assassino com sua estratégia abusiva tendo sido criado por uma empresa objetivada com a expansão colonial. A criatura acaba por resistir e rebater.
Ao término ainda temos a constatação de Scott perante a sobrevivência humana diante do diferente. A fragilidade da humana seminua diante do poder do controverso em sua fronte, a exposição das fraquezas, destituição do poder imenso, por mais vultosos que sejam seus recursos. O resistir humano impassível e instintivo com o abandono da identidade pela desinformação. O abandono físico no universo desconhecido. Sexo. Política. Poder.
Material escrito em 7/11/2017, e agora devidamente recauchutado e disposto para a galera.
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