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Críticas

Cineplayers

Os anos desinteressantes de Hunter S. Thompson.

4,5

Hunter S. Thompson foi um ser humano interessantíssimo. Provocativo, contestador e criador do chamado “Jornalismo Gonzo”, no qual os autores inseriam a si mesmos e suas experiências nas histórias, o jornalista morto em 2005 ficou conhecido por sua falta de limites no uso de álcool e alucinógenos, sem contar um constante embate contra as autoridades. Seus livros, ao longo dos anos, tornaram-se cultuadíssimos e o autor, inclusive, teve a sua obra mais famosa levada aos cinemas como Medo e Delírio (Fear and Loathing in Las Vegas, 1998). Comandado pelo maluco montypythioniano Terry Gilliam e estrelado por um ensandecido Johnny Depp, o filme cultivou uma legião de fãs por representar de forma única e criativa a viagem (nos dois sentidos) de Thompson rumo a Las Vegas com o objetivo de escrever uma matéria. Durante a produção, o autor e Depp tornaram-se amigos e o astro convenceu Thompson a publicar um de seus manuscritos que jamais tinham chegado ao público: exatamente aquele que deu origem a Diário de um Jornalista Bêbado (The Rum Diary, 2012).

No entanto, por mais que tenha sido uma figura fascinante nas décadas posteriores, Hunter S. Thompson ainda não o era em 1960, quando viajou a Porto Rico para trabalhar em um jornal. E, infelizmente, é esse o período de sua vida retratado em Diário de um Jornalista Bêbado. Novamente trazendo Johnny Depp no papel do jornalista (aqui com o pseudônimo de Paul Kemp), a produção retrata Thompson naquilo que mais parece um período de formação de sua personalidade, quando, aos 22 anos, ainda não era o personagem ainda hoje reverenciado por muitos. Aliás, o próprio filme parece fazer questão de esclarecer isso: se, em seus trabalhos posteriores, Thompson demonstrava desdém com regras, como a entrega de textos no prazo, e não dava a menor bola à hierarquia, aqui seu alter ego Paul Kemp ainda se preocupa em manter uma certa imagem “positiva” – o fato do protagonista dizer a Hal Sanderson que continuará esperando no aeroporto por uma personalidade já atrasada ou como lembra em ligar para a redação do jornal com o objetivo de avisar que vai se atrasar são exemplos disso. Assim, Diário de um Jornalista Bêbado vale mais pela curiosidade do que por ser realmente interessante: trata-se, de certa forma, de um ensaio do personagem que Hunter S. Thompson viria a se tornar.

E é exatamente aí que mora o primeiro problema da produção: não há realmente algo a ser contado. O personagem ainda não tem o apelo necessário, praticamente não existe uma trama e o diretor Bruce Robinson está a anos-luz da inventividade narrativa de Terry Gilliam. Dessa forma, resta ao público acompanhar Paul Kemp em situações pouco interessantes por Porto Rico e envolvendo-se com outros personagens igualmente enfadonhos. Aliás, ao contrário do que o título filme pode dar a entender, em Diário de Um Jornalista Bêbado, Thompson ainda não é o borracho que se tornaria notório (ou, ao menos, o filme é incapaz de transmitir isso). Na realidade, são poucas as vezes em que o protagonista surge alcoolizado e mesmo quando isso acontece a questão é tratada de forma desleixada por Robinson e pelo roteiro (escrito pelo próprio cineasta). Um exemplo é a festa na casa de Sanderson e de sua esposa: Kemp parece estar são na festa, porém, basta seu amigo Sala chamá-lo para ir embora que o personagem parece entrar em um estado de embriaguez total, inclusive brigando com moradores locais e com a polícia, em um exemplo da falta de lógica e da pouca preocupação com a continuidade por parte de Robinson.

Sabe-se lá por que Depp e os demais produtores escolheram para a obra um cineasta que não dirigia um filme há vinte anos - seu último trabalho havia sido o suspense Jennifer 8 – A Próxima Vítima (Jennifer Eight, 1992). Talvez por estar enferrujado, talvez por simplesmente não possuir talento algum para conduzir uma história, Bruce Robinson jamais encontra o tom certo da sua narrativa. Em certos momentos, a produção assume quase um tom cartunesco (como quando Kemp põe fogo no rosto de um policial e, logo depois, o mesmo policial já está na audiência do protagonista em frente ao juiz), enquanto em outros adota uma postura mais séria (como na tentativa do protagonista de acertar as contas com Sanderson). Da mesma forma, o cineasta parece não ter certeza do que pretende dizer com o filme: há uma cena em que um dos personagens faz um discurso sobre o que é sonho e o que é realidade, outros instantes em que a história parece trazer uma mensagem sobre a ganância e as sequências nas quais tudo parece ser uma história de amor. Robinson é incapaz de encontrar o equilíbrio entre estes diferentes gêneros, fazendo de Diário de um Jornalista Bêbado um filme confuso, ao invés de um filme sobre um período confuso da vida de Thompson.

Para piorar, o cineasta não se dá conta de que o seu filme é sobre um fanfarrão como Thompson e oferece um tratamento sério e quadrado demais à produção. As tentativas de comédia caem no vazio ou no óbvio (“Não me deixe ver faróis! Não me deixe ver faróis! Acabo de ver faróis.”), ao mesmo tempo em que os poucos momentos em que Robinson assume a insanidade funcionam como uma mera amostra da viagem que tudo poderia ter sido (como a cena da alucinação com a língua). Enquanto isso, a obra também sofre com problemas de ritmo: será que, por exemplo, a cena com a feiticeira, já no terceiro ato da história, não poderia ser reduzida? Na maior parte do tempo, a produção, ironicamente, encontra sua perfeita definição na própria análise do caminhar de um bêbado: caminha de um lado para o outro sem conseguir encontrar o seu foco.

Mas o principal problema narrativo de Diário de um Jornalista Bêbado é que o filme simplesmente não consegue construir um conflito para gerar o mínimo de dramaticidade à história – ou melhor, constroi diversos, mas todos de forma precária e insatisfatória. O roteiro dá início a certas tramas, mas não apenas ignora algumas no decorrer da narrativa, como também fica no meio do caminho em relação às outras: a história com Sanderson não possui final, o romance com Chenault encerra da mesma maneira súbita e abrupta como começou e o próprio arco dramático do protagonista não convence – se houve alguma mudança no Paul Kemp do fim do filme e o Paul Kemp do início, isso se deve apenas à necessidade do roteiro, não a alguma construção gradual do personagem. Aliás, Robinson também demonstra falta de talento para criar diálogos interessantes ou, ao menos, lógicos. Em determinado instante, Kemp diz: “Não sei escrever como eu”. Isso faz algum sentido? O que significa? Parece apenas o cineasta dando tapinhas nas próprias costas com a impressão de ter feito algo profundo. O mesmo vale para a frase de Sanderson ao final: “Você estragou tudo, Kemp”. Não é preciso muita reflexão sobre os acontecimentos do filme para perceber que o protagonista não fez quase nada e que a fala não faz sentido.

Interpretando Thompson de forma significativamente mais contida do que em Medo e Delírio, Johnny Depp parece usar a sua atuação como forma de reforçar a impressão de que a persona do escritor ainda estava sendo formada. Ainda assim, a empatia do astro é suficiente para criar um personagem carismático, que conquista a plateia sem muito esforço. Em contrapartida, se Depp prefere evitar os excessos em seu trabalho, Giovanni Ribisi se esbalda com as possibilidades de uma trama que gira em torno de personagens nem sempre sãos: seu Moburg se torna rapidamente a figura mais interessante e divertida de um universo onde elas deveriam existir em maior quantidade. Enquanto isso, Aaron Eckhart parece à vontade, equilibrando charme e vilania, ao passo que Amber Heard nada tem a fazer além de esbanjar sensualidade.

Diário de um Jornalista Bêbado parece um filme feito entre amigos, no qual o processo de filmagem parece ter sido mais divertido do que o resultado final. É insosso, desinteressante e quadrado demais. E a caretice do plano final, com o protagonista navegando rumo ao sol, é a prova de que, ao menos dessa vez, o espírito irreverente de Hunter S. Thompson ficou em algum outro lugar.

Comentários (4)

Josianne Diniz | quarta-feira, 09 de Maio de 2012 - 11:29

O livro é muito bom!
A adptação ficou ruim e muito fora daquilo que o livro descreve principalmente ao tentar encher de pompa e luxo os lugares em que se passam a historia que no livro são extremamente simples!
Mais uma vez os filmes adptadados dos livros do Thopson o fazem parecer um escritor ruim!
Uma pena!

Gabriel Severo | quarta-feira, 09 de Maio de 2012 - 11:52

Pra quem curte a parte jornalística, e não apenas a ''porralouquice'' do Thompson, vale a pena.

Matheus Soeiro Villela | quarta-feira, 09 de Maio de 2012 - 12:59

Eu gostei bastante. Depp está excelente e o resto dos personagens é carismáticos, o roteiro é eficiente, apesar de quadrado e há aqui e ali uns momentos inspiradíssimos.

Marcus Almeida | segunda-feira, 21 de Maio de 2012 - 10:17

Já que não tem tópico, vai aqui mesmo.

"Depp desta vez está caricatural, a trama é chata, o formato é muito quadradinho e mesmo o núcleo jornalístico é covarde. Enormemente inferior a Medo e Delírio, de Terry Gilliam. "

Nos últimos dez anos, quando foi que Depp NÃO esteve caricatural?

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