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Críticas

Cineplayers

Utilizando com bom tom alguns truques cinematográficos, Honoré constrói uma narrativa que flui à francesa, e ainda dialoga com o espectador.

6,0

Pode parecer incoerente de minha parte dizer isso aqui, mas, assistir Em Paris sem nenhuma informação sobre a trama me trouxe a grata surpresa de gostar de um filme do qual eu não sabia o que esperar. Sutilmente, inclusive, só se pode estabelecer uma opinião sobre ele quando os créditos sobem, já que durante o desenrolar da trama se pode tentar prever várias soluções que resolveriam as questões propostas ao longo da uma hora e meia de filme. Não que ele fuja completamente de alguns clichês. Digamos que de forma elegante ele nos mostre novas formas de utilizá-los.

E isso foi o que mais me chamou a atenção, por isso chamei de elegante a maneira como o roteiro e a direção encontraram novas formas de escapar de obviedades que facilmente encontramos em filmes recentes. É muito comum se ouvir como resposta a esse tipo de crítica que a culpa vem do esgotamento de possibilidades diante da enorme quantidade de filmes produzidos ao longo da história do cinema. E falando ainda sobre o cinema francês – que sabemos, produziu alguns ótimos cineastas e mesmo escolas cinematográficas já repetidamente citadas e reproduzidas -, Christophe Honoré teria liberdade para apoiar-se nessa desculpa do esgotamento e preguiçosamente se deixar levar pelo mais fácil.

Mas é aí que ele nos presenteia com uma história que, apesar de parecer não querer para si o título de clássico ou o adjetivo de genial, tampouco pode ser taxada de comum: Logo no início, Jonathan (Louis Garrel) encontra um lugar reservado no apartamento de seu pai (Guy Marchand) para falar ao espectador sobre a história que veremos a seguir, e lá da varanda vai ligando o passado e o presente àquele futuro em que ele se encontra. Essa solução que eu chamaria de desmistificação da ficção (e sobre a qual deve existir um termo técnico, que desconheço agora), quando é criado um interlocutor que dialoga, digamos, francamente com o espectador tornando óbvio o caráter fictício daquilo que estamos prestes a assistir.

Logo em seguida somos apresentados à conturbada relação que levará Paul (Romain Duris) ao estado em que o encontraremos no futuro, em que ele voltou a dividir a vida com seu pai e seu irmão Jonathan. Após essa apresentação, outros pequenos truques legais: numa floresta não-verdejante o casal caminha numa espécie de passos marcados, onde somem atrás de uma árvore para reaparecer em frente à câmera, conversando sobre como se sentem diante daquele amor que parece – naquele momento – estar em seu começo, para logo depois o vermos fechados em um carro, numa floresta que pode ser a mesma, travando uma conversa silenciosa de gestos que denotam o desgaste daquela mesma relação, sempre exagerando no melodrama.

Seguindo a narrativa sobre a relação entre Paul e Anna (Joana Preiss), algumas cenas internas nos confirmam o fim dessa história, e nos fazem suspeitar que estamos diante de um entediante filme francês sobre  a doença de amar. Ainda bem que essa suspeita termina quando retornamos ao mundo de Jonathan, que diferentemente de seu irmão, ama facilmente todas as mulheres que cruzam por ele na rua, inclusive sua namorada Alice (Alice Butaud).

Outra coisa que chama a atenção é a forma como alguns cortes e a montagem propositalmente impedem que vejamos o óbvio e suspendem o clichê em cima da hora. Um exemplo é quando sabemos que Jonathan pulará no rio: a câmera filma o rio e esperamos a qualquer momento ver o pulo, mas ao invés disso o corte leva para a próxima cena em que o personagem aparece sendo agasalhado pelo irmão e descobrimos de forma indireta que ele realmente pulou.

A parceria entre Garrel e Honoré (que já fizeram juntos também Ma Mére, e o mais recente Les Chansons D’Amour) parece transparecer na naturalidade com que o ator veste o personagem: vemos Jonathan em várias situações corriqueiras, inclusive nu em pêlo, e até falando abertamente com a câmera ele nos convence de que há motivos para sentar e continuar vendo o que ele tem a contar. Isso acontece também com Guy Marchand (presente na próxima produção de Christophe Honoré chamada Après lui), que interpretando o angustiado Mirko, o pai, inutilmente tenta impor sua autoridade e também aproximar-se dos filhos e tudo que recebe em troca são sinais de que é considerado como uma pequena piada para eles. Sobre a atuação de Marchand neste filme, destaco a cena em que Paul lhe faz uma importante revelação e ainda atordoado por aquilo, o pai precisa receber a visita que acaba de chegar e toda a cena parece atordoadamente engraçada.

Abrindo um parêntese, não deixem de notar a cena em que Jonathan pára em frente a um cinema e o vemos em meio a dois cartazes: um é de Marcas da Violência (que na França foi distribuído através da mesma distribuidora de Em Paris) e o outro é de Last Days, filme de Gus Van Sant e cujo protagonista, Michael Pitt, foi companheiro de cena de Garrel no filme que o apresentou ao mundo, Os Sonhadores. Enfim, o cinema como auto-referência de si mesmo.

As cenas finais também guardam algum lirismo: naquela intimidade de irmãos que sempre dividiram tudo, Jonathan conta a Paul como foi seu dia cujos pensamentos e ações estavam voltados em honra dele e pede, como em retribuição, que Paul leia de novo a historinha de Tom e Loulou, o coelho e o lobo que eram amigos e ensinaram um ao outro o medo-do-coelho e o medo-do-lobo, e assistindo ao filme vocês entenderão melhor. Daí a história segue para seu começo, que também é o fim e que também é o início, assim, circularmente...

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