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Críticas

Cineplayers

Pragmáticos incontestáveis.

8,0

Um projeto como Intocáveis (Intouchables, 2011) poderia perfeitamente, visto pela sinopse e pela provável proposição imaginada antes de conferi-lo, ser encarado como um daqueles filmes que visam o choro fácil, buscando, mais do que contar uma história romantizada – seja essa de superação ou de introspecção diante uma nova condição de vida –, narrar um drama de circunstâncias de maneira absolutamente humana e comovente. Vários são os atributos que favorecem isso, no entanto o maior deles é, sem dúvidas, a dinâmica entre os atores centrais que ganham a atenção do público e vencem pelo carisma, atravessando clichês em benefício da narração. Talvez realmente seja demasiado corriqueiro, no entanto lições de humanidade nunca saem de moda e longas desse feitio sempre trazem um ar de renovação para uma reflexão enquanto sujeito humano, passível de lisonjeiras alegrias e devastadoras desventuras.   

Um anúncio: é baseado numa história real. Baseado ou inspirado, não interessa. Boas intenções não garantem bons filmes. Boas idéias quando mal executadas nada significam. A história: um milionário, Philippe (François Cluzet), que ficou inválido após um acidente, contrata um jovem negro que esteve preso por 6 meses para ser seu cuidador. Juntos se transformarão e crescerão, cada qual em sua limitação, numa jornada de benevolência e altruísmo pragmático – pragmático, aliás,é uma definição usada constantemente por Driss (Omar Sy) quando se define. E de fato o é, não somente pelo personagem, mas pelo filme e pela composição de mundo trabalhada. Afinal, tratam-se de pessoas e, enquanto seres humanos racionais, são motivados por compaixão pelo outro, por mais remota que essa pareça e incrível devido a condescendência de quem a desfere.

É sim clichê, demarcação infeliz. Para um filme, parece aceitável. Praticar boas práticas de solidariedade é clichê, que se mantenha então. Ainda sobre o assunto, mergulhamos em chavões durante a projeção, sobretudo pelo contexto dos personagens: o milionário rico com infelicidades românticas, uma filha adolescente aborrecida com o namorado e empregados que parecem estacados as exigências e necessidades do patrão; e Driss, cuja vida é acometida por erros, carrega um passado penoso como fardo pessoal, vendo seus familiares pobres sofrendo miseravelmente num apartamento apertado na periferia parisiense, convivendo como podem. O universo composto pela dupla de roteiristas e diretores Olivier Nakache e Eric Toledano (anteriormente filmaram “Apenas Bons Amigos“) é abarrotada de estereótipos. Sobre eles se desenvolvem questões que distingue o longa do convencional, como a afinidade improvável sucedida e a comiseração a pena.

O filme passa inteiramente detalhando em minúcias a relação entre Omar e Philippe, e não compreendemos de antemão o que fez o milionário escolhe-lo para ser seu cuidador. Seria imprudência? Desafio? Talvez não esteja muito bem da cabeça? Talvez seja a projeção de um desejo castrado, uma lacuna nessa vida de luxos, espontaneidade desregrada que agora lhe é inalcançável? Tudo isso chega ao público de maneira incrivelmente otimista. Philippe sofre sim, mas não abandona o sorriso – talvez uma das únicas coisas que lhe restam. A câmera foca Cluzet, esse despende risos e movimentos com o pescoço, breves, porém precisos, seja para mudar a página de um livro ou para buscar o movimento rítmico de uma dança. Sua transformação também é enaltecida em detalhes nunca tratados verbalmente: por exemplo o sinal da traqueostomia no pescoço que é do mesmo tamanho que o brinco que surge em sua orelha em determinado ato.

Banhado por um apelo dramático inevitável, servindo entre outras coisas para enobrecer o drama, já que a situação retratada não é de terna felicidade, os diretores têm a coragem de investir numa outra ótica para a propagação da história: o humor. Esse acontece durante todo o filme, sem culpa ou receio. Faz-se lógico, é tratado pelo próprio Philippe com graça e por Driss que faz piadas inoportunas, impróprias e de mal gosto, como se gozasse de um corte de cabelo de um amigo próximo. Justamente aí reside a beleza do longa, em não ter maldade, tratar de coisas importantes na vida com a leveza e necessidade que esta merece, ou como precisa para ser mais suportável. Ainda há espaço para discutir a arte, compreender alguns significantes segundo os olhos dos protagonistas. A cena em que Philippe compra um quadro de alto valor é interessantíssima. Aquilo não faz sentido a Driss, mas algo muda quando este se representa na arte, não unicamente pelo valor financeiro, mas pelo significado daquela obra em detrimento de sua vida projetada. Algo – valor pessoal – a deixar para o mundo.

Fica na memória boas cenas, eficientes em vários pontos de vista, demonstrando a França atual e a divisão econômica e social do país, com a imigração africana no plano de fundo numa graciosa Paris recheada de encantos e desalentos. As 4h da madrugada na capital francesa, um passeio em busca de ar – simbolicamente, de desopressão. Enfatizando tudo isso com uma beleza ilustre, a trilha afável do brilhante pianista italiano Ludovico Einaudi, com temas perfeitamente cabíveis, utilizadas de maneira cruciante e harmoniosa. Não são músicas feitas para o filme, são algumas de suas renomadas composições, emprestadas para saudar essa bela história sobre o ser humano. Simples e óbvio, nada surpreendente e impreterivelmente comum, Intocáveis tem um relevo delicado, é revigorante e honesto no que propõe: discutir valores que por vezes faltam ao homem para que esse se torne mais humano. Frente a essa possibilidade, vale se permitir deslumbrar-se pelo que acontece em cena.

Comentários (7)

Frederico Lyra Chagas | segunda-feira, 03 de Dezembro de 2012 - 09:37

minha esposa estava louca para ver, mas eu não quis... ô filme que, só de ver a capa, dava para saber tudo que ia acontecer.

Léo Félix | quarta-feira, 05 de Dezembro de 2012 - 14:54

Filme lindo!

Camila Gomes | sexta-feira, 18 de Janeiro de 2013 - 23:06

Excelente crítica! ;)

Alexandre Marcello de Figueiredo | quinta-feira, 24 de Janeiro de 2013 - 18:34

Uma bela história sobre a aproximação de duas pessoas totalmente distintas por causa de um drama pessoal. Bonito filme.

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