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Críticas

Cineplayers

Mais que um filme sobre a geração anos 80, uma tentativa de compreendê-la.

7,0

Os anos 80 fabricaram uma turma de mauricinhos endinheirados, sem cultura e conservadores que eram odiados pelos intelectuais de então. Eram os yuppies. Foram atacados por conta de tudo: eles teriam feito recuar o que os anos 60 conseguiram nas batalhas ideológicas do feminismo, do movimento gay e dos direitos humanos. Cínicos, egoístas, mesquinhos e vazios, de um mau gosto a toda prova, só pensavam neles mesmos, no dinheiro e em diversão “alienada” (sim, a palavra ainda era usada). Passaram para a história como os vilões.

O diretor e roteirista Whit Stillman resolveu contar um pouco dessa história em Os Últimos Embalos da Disco (The Last Days of Disco, 1998), mas de um ponto de vista inusitado: o deles, de dentro, procurando entender porque agiram daquela maneira. O filme fala de uma turma de yuppies que só vão se dar conta de que são yuppies quando são expulsos de uma boate em Nova York e o gerente grita para eles, tentando ofendê-los: “Yuppies!”.

Quando se pensa em feminismo, evocam-se as guerreiras que queimaram sutiãs na década de 60, na luta pela liberação do aborto. Idem para o movimento gay, quando se resgasta os heróicos pioneiros que frequentemente eram presos, levavam surras dos policiais e eram considerados doentes. Não se fala muito do meio de campo, de quando esse povo todo chegou no mercado de trabalho e o preconceito rolava solto. Tiveram de agüentar humilhação, nada grande, tipo uma prisão, mas diária e incessante, mesquinha e amiúde.

É onde se situa o monocórdio filme de Stillman, que passou praticamente em branco no Brasil, mas foi salvo pelo pessoal da Criterion Collection. Chloë Sevigny e Kate Beckinsale fazem duas amigas que, depois de se formarem, alugam um apartamento e vão trabalhar numa editora. Queriam fazer o que qualquer mulher faz hoje em dia: arrumar namorado, fazer sexo, receber o salário, pagar as contas e divertir-se um pouco. Descobrirão que não é assim tão fácil.

Seus chefes não as levam as sério e fazem assédio, as colegas de trabalho são traíras e lhes passam a perna, as mulheres mais velhas acham que são umas vagabundas e os homens, bom, os homens acolhem-nas muito bem quando se trata de sexo, mas para casar e levar a sério vão optar pelas conservadoras e carolas. Um grande idem para os gays e negros. Ou imigrantes.

Para fugir da vida ingrata, vão todos para um bar (que emula o Studio 54) em que toca a pavorosa musica disco. As garotas não chegaram a calçar meias de lantejoula e sandálias de plástico como no Brasil (Dancing Day’s, alguém?), mas o legado seja artístico ou da moda é, no mínimo, embaraçoso. Politicamente, pior ainda: era o fracasso do governo liberal de Jimmy Carter (hoje Prêmio Nobel da Paz) e a subida do republicano Ronald Reagan ao poder. Crise política, guerras perdidas, economia dando sinais de franqueza, privatizações, fim do estado social e o desemprego. Não, não era fácil a vida daquela galera. Fazer revolução com economia a galope era bem mais fácil.

O diretor vai desfiando o amontoado de preconceitos que eram correntes e socialmente aceitos na famigerada década de 80 (hoje tão em voga). Por exemplo, uma das personagens era mal vista porque trabalhava com publicidade, entre outras alfinetadas em temas como drogas e, claro, dinheiro (para quem não o tinha, em especial). Não se trata aqui de uma defesa dos yuppies, muito menos de um revisionismo da época, longe ainda de uma diatribe a favor do conservadorismo. Simplesmente é gente tentando sobreviver em ambiente hostil.

Stillman já havia feito dois filmes com ares de cult, Metropolitan (1990) e Barcelona (1994), esse último famoso para certos trintões. A mesma estrutura de sempre: gente inteligente conversando de maneira engraçada e espirituosa. Vão dissecando os assuntos com argúcia e sabor. Em todos eles, a mesma nostalgia, um certo conservadorismo (bom, os dois conceitos estão ligados), uma visão bastante americana de ver o mundo. Se quiser, pode-se compará-lo a Woody Allen, mas tire a erudição, o bom gosto (nada de clássicos do jazz, por exemplo) e jogue a conversa para assuntos pequenos. O judaísmo fica, mas é como se ele fosse o Woody Allen dos bairros suburbanos de Nova York, não de Manhattan.

Mas há um certo humor em Stillman (humor anos 80), que pode tanto soar nostálgico para alguns quanto meio bobo para outros. Exemplo: “Não sou um viciado, apenas um usuário habitual”. Sem dúvida ele é o “outro lado”, ou seja, não o dos intelectuais de esquerda que dominaram as artes em grande parte até os meados dos anos 70. Stillman é sem dúvida mais “direita”, e ver suas personagens sofisticadas discorrerem sobre temas que definitivamente não lhes interessa é o que segura o interesse desse filme.

O obra toda é meio quadradona, mesmo tendo uma boate como pano de fundo. Sua câmera pesada e sua encenação meio morna (como mornas são as luzes) estão sempre em segundo plano. O que vale são os diálogos, e como há diálogos: Stillman fala sem parar por meio de suas personagens. Na verdade, é ele quem fala o tempo todo, todo mundo fala uma só voz, a voz do roteirista. Isso dá um curioso tom barroco ao filme.

Enfim, muita gente vai odiar, outro tanto vai amar pelos mesmíssimos motivos. Em tempos de resgate dos anos 80 e de neoconservadorismo, talvez se torne um cult. Elenco de estrelas tem. Entretanto, talvez a falta de arroubos e o seu não exibicionismo sejam empecilhos para a mistificação. Esse retrato da década de 80 saiu realista demais: o público prefere a fantasia. E mais, The Last Days of Disco fala de um tempo que foi suplantado: cá para nós, os yuppies hoje são em maioria, além de muito mais arrogantes, prepotentes, orgulhosos e insolentes.

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