É interessante comparar o mexicano “Frida, Natureza Viva”, de 1986, com o estadunidense “Frida”, lançado em 2002. Se o primeiro desejava fazer um verdadeiro mergulho na psique da célebre pintora, a partir de suas obras e lembranças, o segundo assume um caráter bastante didático ao valorizar uma narrativa linear da biografia da artista, em prol, certamente, de um público estadunidense que ainda desconhece, no mínimo, os pormenores da conturbada vida de Frida Kahlo (e é justamente por conta do desejo desse maior alcance do público estadunidense que temos de engolir, por exemplo, personalidades mexicanas conversando naturalmente em inglês, apesar das tentativas do elenco em tentar evocar algum sotaque mexicano). No entanto, apesar do didatismo inevitável de uma cinebiografia que se beneficia largamente dos diversos dramas da vida de sua homenageada, o filme de Julie Taymor ainda contém boa parte da cor e energia inspiradas pela vida e obra de Frida Kahlo, na medida em que nos apresenta excelentes atuações e interessantes inventividades técnicas e estilísticas.
Apresentando a partir de um grande flashback a vida absolutamente instável da pintora mexicana, “Frida”, a despeito do caráter transgressor da protagonista, adota um modelo convencional de narrativa, seguindo uma linha cronológica dos fatos, na qual acompanhamos desde o fatídico acidente de ônibus e o início do relacionamento com Diego Rivera até as últimas complicações de saúde mais a ascensão definitiva de Frida Kahlo como singular e reconhecida pintora. E dados os diversos dramas subsequentes aos acidentes, sequelas, relacionamentos, traições, lutas políticas, abortos, viagens e dores físicas e emocionais, é inegável o enorme apelo que o filme ganha inclusive já em suas sequências iniciais, protagonizadas, no caso, por uma Frida imobilizada em uma cama (e, justiça seja feita, como já mencionado em outro texto, a vida de Frida Kahlo é interessante o suficiente para suscitar até mais de uma cinebiografia).
Desse modo, a narrativa-base de “Frida” já potencializa por si própria uma experiência muito gratificante – e, aliás, realmente instrutiva por conta da exatidão linear e cronológica com a qual a biografia é abordada. Por outro lado, a predominância dessa linearidade e didatismo acaba por comprometer uma possível relação mais visceral entre o espectador e a artista homenageada. Em outras palavras, o longa parece assumir, em essência, o caráter de uma biografia escolar, a qual nos deixa a parte dos acontecimentos mais importantes da vida de Frida Kahlo mas que não nos oferece um contato mais íntimo com a Frida Kahlo de fato. Assim, somos apresentados a uma série de eventos e episódios realmente interessantes, mas ainda não conhecemos, no fundo, os sentimentos e tumultos mais essenciais e complexos dessa grande personalidade (o que é um desperdício se considerarmos a potencialidade do Cinema biográfico em possibilitar um contato profundo – ainda que ilusório – com instigantes personas de nossa História).
Entretanto (e felizmente) essa falha não é predominante em toda a projeção. Em verdade, tal como no filme mexicano de Paul Leduc, Julie Taymor reconhece que a melhor via de conhecimento de Frida Kahlo é sua vasta e singela obra pictórica – e é quando a câmera, a montagem e a direção artística começam a se incorporar ao mundo imagético das obras transgressoras, inusitadas e vibrantes de Frida Kahlo que o longa enfim ganha não apenas vigor e estilo, mas também e sobretudo a essência de sua grande homenageada. Ou seja, é em sequências como a que ilustra o “Autorretrato com o cabelo cortado” que o filme se aproxima de Frida Kahlo, proporcionando a possibilidade de vislumbre de suas profundas inquietações e sofrimentos, bem como de sua peculiar visão de mundo – e isso sem mencionar, claro, a beleza particular de alguns momentos, como a divertida fantasia em que Diego Rivera assume o papel de King Kong (as cenas estilizadas de Nova York e Paris são um atrativo a parte) ou a belíssima (e trágica) cena em que vemos, simultaneamente, a criação do quadro “Duas Fridas” (pintado após o divórcio de Frida com Diego) e o assassinato de Leon Trostky, tudo ao som de um belo canto melodramático mexicano (por sinal, essa maior conexão com a artista é igualmente possibilitada quando o filme evoca a cultura popular mexicana, haja vista a intensa ligação de Frida com os cânticos, festividades e demais crenças e tradições de seu país). Por fim, o conhecimento de Frida Kahlo e seu mundo é auxiliado pelo ótimo desempenho do elenco principal, que, apesar da utilização do idioma inglês, transmite boa parte da impetuosidade particular esperada de cada uma das personalidades reencarnadas – e nesse sentido, destacam-se Geoffrey Rush como Leon Trotsky, Alfred Molina como Diego Rivera e, óbvio, Salma Hayek como Frida Kahlo.
Beneficiado, enfim, com uma bela trilha sonora, “Frida”, embora falhe em criar um relacionamento mais visceral com sua protagonista, ainda oferece uma experiência bastante satisfatória e interessante, pontuada por belas estilizações cinematográficas e grandes atuações. No mais, uma ótima opção para quem deseja conhecer um pouco mais da vida dessa grande e imortal artista.
A única atuação boa da deliciosa gostosa das galáxia Hayek, indicada até ao Oscar meu caro!
O elenco de apoio também está bem, mas o filme é uns 7,0 mermo...
Belo texto mais uma vez caro Luís, tá frenético na escrita hein?