Moonlight é uma história trágica de personas. Chiron não se realiza como indivíduo; seu destino parece fadado à incorporação (não cópia) de outras personas: a do traficante que conheceu na infância e a do bad boy forte que o surrava na escola. O próprio filme parece impor essa personalidade outra, fazendo de Chiron o Blue das memórias de Juan a partir da onipresença do azul na iluminação, no figurino e em detalhes do cenário - mesmo que nos momentos de êxtase ou realização, a personagem seja iluminada por um intenso amarelo.
Moonlight também é dois filmes em conflito. O primeiro, e predominante, é o sociodrama oscarizável com figuras quase típicas como a mãe viciada, o traficante e o bully. O segundo, latente mas pulsante, se manifesta na potência de certas imagens e nas sutilezas da mise-en-scène, tendo seu auge no belíssimo terceiro ato no encontro entre os dois amigos/amantes.
É nesse segundo filme que Moonlight ensaia uma espécie de catarse estética, onde a estilização da imagem, som e mise-en-scène promete extravasar as pulsões reprimidas (algo que o aproxima do belíssimo Carol). Mas essa catarse nunca é efetuada. Quando Kevin e Black são embalados por Hello Stranger quando já começam a flertar um com outro, subitamente a campainha do restaurante toca, roubando-os desse momento. E se nos últimos momentos temos dois corpos em plena pulsão, amor e desejo, Jenkins ainda coloca um vão quase intransponível entre eles.
De um lado isso é algo muito coerente. Infelizmente, mesmo nos tempos contemporâneos, onde supostamente tivemos alguns avanços, a redenção do indivíduo e sua sexualidade ainda é um privilégio para poucos. Mas por outro, também penso sobre como seria interessante se Hello Stranger tivesse tocado mais um pouco. O cinema não é somente uma janela para um mundo mas um local de subversão da realidade, e não necessariamente de uma maneira escapista. Imagens, sons e mise-en-scène que podem ser extremamente pungentes e incômodas mas que oferecem uma catarse, uma vivência de libertação e mesmo de êxtase.
Como diria Blance DuBois de Uma Rua Chamada Pecado, o cinema não quer somente o realismo mas a magia, e por mais que deseje essa subversão Moonlight só vai até certo ponto, sendo um filme incompleto tanto como sociodrama quanto como algo que vai além do sociodrama. Mas é de se admitir a subversão fundamental do terceiro ato em trazer tantas nuances em atuação e dramaturgia com personagens que usualmente caem tanto no lugar-comum (ênfase para os atores Trevante Rhodes e Andre Holland). Um primeiro passo muito importante foi dado e nós queremos mais.
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