"O Perigo é Real. O Medo, uma Escolha."
Que M. Night Shyamalan é hoje um dos diretores mais odiados do cinema comercial norte-americano não é segredo pra ninguém (embora o ótimo A Visita caminha para reverter este cenário). É aquela velha máxima de que amor e ódio caminham lado a lado, onde num passado não muito distante o cineasta era idolatrado por crítica e público - pelos motivos errados - (a ponto de ser comparado ao inigualável Alfred Hitchcock), e que hoje, após alguns fracassos de crítica (e comerciais) consecutivos, fez algumas pessoas sentirem aflição ao se depararem com um novo projeto "by M. Night Shyamalan". Numa clara tentativa de se reinventar, Shyamalan arriscou-se no competitivo mercado de aventura infanto-juvenil, primeiro com o mediano O Último Mestre do Ar (The Last Airbender, 2010), uma aventura bacana e bem produzida, mas que por carregar o nome do indiano, foi massacrada por crítica e público sem piedade, onde pequenos defeitos tomaram proporções épicas, e que agora com Depois da Terra (After Earth, 2013), foi novamente execrado por crítica e público, com poucos defensores. Vale frisar que a essência de sua filmografia permanece nestes trabalhos, seja no estudo sobre o medo, fé, destino, jornada do herói ou na íntima relação entre o real e o fantástico, deixando aqui o suspense psicológico um pouco de lado, partindo para a aventura juvenil com elementos de ficção científica, talvez numa tentativa de falar com um público mais amplo e de uma forma mais acessível.
O fato é que Shyamalan continua sendo um grande "cineasta-artesão" e apesar de não apresentar a mesma genialidade e vigor de outrora, ao menos entrega uma produção acima da média, com uma narrativa criativa, ângulos elegantes e funcionais, atuações intensas e uma produção competente. Nota-se um amadurecimento enquanto cineasta, principalmente no que se refere ao abandono de maneirismos e lugares-comuns que o público tanto espera, além de suprimir a superexposição de seu nome em detrimento da obra em si. O elenco do filme foi uma das principais reclamações recebidas, principalmente pelo nepotismo escancarado (prática esta bastante comum em Hollywood, mas que aqui assume um peso maior pelos motivos já mencionados), com Will Smith e Jaden Smith estrelando a produção como pai e filho. Will apresenta uma atuação propositalmente inexpressiva, ainda que transmita pelo simples olhar abatido todo o peso da situação e da conturbada relação com o filho. E Jaden surpreende numa atuação enervante, também baseada no olhar, carregado pela culpa de um fato trágico do passado e que após o acidente aéreo em que apenas os dois sobrevivem, tem a chance de mostrar o seu valor, ainda que inicialmente apavorado pela situação extrema em que se encontra ou pela responsabilidade que assume pela condição física debilitada do pai após o ocorrido.
A parte técnica não chega a impressionar, como em trabalhos anteriores do cineasta, mas sem dúvida surpreende pela beleza e apuro em que foi concebida. A direção de arte é criativa e imersiva, seja na colônia Nova Prime com seu visual futurístico e estilizado, ou na Terra, desabitada à 1000 anos, coberta por uma floresta tropical e fauna que evoluíram a ponto de tornarem-se inóspitas à vida humana. A fotografia com ângulos elegantes e sofisticados captam a beleza e perigo inerentes a este ambiente com eficiência. A trilha de James Newton Howard (seu parceiro habitual) é outro acerto, nunca se colocando à frente da narrativa (mas a favor dela), com uma leveza e beleza singulares. Os efeitos visuais são funcionais (embora inferiores aos apresentados em seu projeto anterior), utilizados com sobriedade na maior parte do tempo, com poucas sequências em que se nota um visual mais artificial. Se tem um ponto que merece ressalvas, de fato, é o roteiro de Gary Whitta e M. Night Shyamalan baseado no argumento do Will Smith, que falha na apresentação deste universo, seja no fraco prólogo, que devido a pressa, mais confunde do que insere o espectador naquele universo (mais complexo do que se supõe) ou na relação entre pai e filho, pouco aprofundada, o que dificulta uma maior identificação do público com os personagens. Mas de um modo geral, Depois da Terra (2013) é uma aventura de ficção científica eficiente e divertida, que encontra ecos em A Árvore da Vida (The Tree of Life, 2011), Avatar (Avatar, 2009) e Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993), e destaca-se graças a assinatura ainda autoral de um dos cineastas mais subestimados da atualidade.
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