Dessa vez eu ouso dizer que me arrisquei a assistir os filmes do Oscar até aguentar. Eu quase não assisti a esse aqui, porque os filmes anteriores quase me fizeram ter de desistir da minha já comprometida vida. Podemos dizer que esse aqui conseguiu estabilizar, mas eu ainda sinto a necessidade de tecer algumas observações.
O único filme que eu vi do senhor Luca Guadagnino foi o A Bigger Splash, e, apesar de todas as falhas da película, o filme conseguiu me empolgar e me envolver de uma forma interessante. Achei divertido! Esperei, ao menos, a mesma diversão nesse aqui. Bem. Perdemos a diversão mas ganhamos naquilo que os cinéfilos chamam de mise-en-scène (mizoncên). Esse filme é um esplendor absurdo. Temos uma construção de personagens muito interessante e profunda. Mas ouso dizer que isso não quer dizer muito quando a gente resolve olhar por fora do cinema.
Enquanto cinema, Call me by your name se declara uma lindeza. Guadagnino filmando Roma é a coisa mais linda. Guadagnino filmando gente rica é a coisa mais linda. Bom, se no ano passado a gente teve o belíssimo Moonlight se propondo representar as dificuldades de ser homossexual ao longo da vida num contexto conturbado, Guadagnino demonstra como é fácil ser homossexual e rico ao mesmo tempo.
Sem querer meter malho nos ricos, mas você sente o choque absurdo de realidade que é contrastar Moonlight com Call me by your name. Moonlight, apesar de ser bem mais ou menos nas duas primeiras partes do filme, explodindo num terceiro ato inspiradíssimo, procurou representar e descrever o conflito de um jovem descobrindo-se homossexual de forma bastante séria trazendo para as telonas uma discussão sobre homofobia. Isso não existe em Call me. A gente pode até entender que a proposta do filme seja a autodescoberta de um adolescente. Que a homossexualidade esteja em outro patamar da condição social. E que é um filme de personagens que se constrói com bastante maestria. Mas tá lá e nada ultrapassa isso. Faltou caos. Caos inspira muitas vezes tornar um conteúdo mais profundo.
A pior sensação que fica quando terminamos de assistir ao filme é que Guadagnino tinha absoluto controle sobre o universo dos personagens, e principalmente de suas ações. Ele construiu toda papelada pensando: "isso aqui vai dar certo de qualquer forma, nada vai atrapalhar essa bagaça; o guri Elio vai se descobrir e só vai ter problema consigo mesmo, em se aceitar; e tá bão por hoje". Faltou caos e emoção. Pouco dá para se envolver com os personagens de tão distante que é a realidade deles do grande debate. Elio faz parte de uma família rica de intelectuais e acadêmicos. Passa as férias de verão sem lavar um prato. O garoto vive só pra exercitar sua intelectualidade e desenvolver dons musicais. Faz porra nenhuma da vida. Surge um estudante mais velho para morar temporariamente na casa de sua família. O cara é muito simpático. As tensões sexuais surgem com a auto-repressão e são aos poucos estimulados por toques, olhares etc. Essa coisa é interessante no filme: delicadeza. Agora, Guadagnino cria todo um universo para que seja possível que aquela história aconteça de uma forma ou de outra e que tudo corra bem. E tudo corre bem. Se tem um ponto negativo nesse filme, é a sensação de que tudo está sob controle e que nada vai dar errado. Termina então com a sensação de que a gente assistiu a um filme sem desafios, em que seus personagens transpõem barreiras internas que são suavizados por um contexto muito fácil e pouco desafiador.
Maçãs devoradas por Elio: 7/10
Minha namorada dormiu em: 30 minutos
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