Lá pela década de cinqüenta até o meio da de setenta, a produtora Hammer era a principal responsável por trazer a maioria dos mais insanos filmes de monstros, desde vampiros (“O Vampiro da Noite”, de 1958) até aberrações científicas (“A Maldição de Frankestein”, 1957), lançando várias novas versões para obras antigas, mas mantendo a essência clássica que ainda movia o gênero, até morrer pouco a pouco e acabar destinada exclusivamente para a televisão. Ressurgindo das cinzas, a companhia passou a produzir novos filmes de horror a partir da metade da década passada, dentre eles “A Inquilina” (2011), com Hilary Swank, e “Wake Wood” (2011), que recolheu boas críticas por onde passou, mas nenhum filme que realmente lembrasse seu passado histórico.
Valorizando várias características do horror antigo, “A Mulher de Preto” estreou nos cinemas não só sendo o quinto filme desse revival da produtora, mas também representando sua volta num terror mais arcaico. Tendo como diretor o novato James Watkins, que apenas havia dirigido o excelente “Sem Saída” (2008), e como estrela principal o ator Daniel Radcliffe, imortalizado pela saga Harry Potter, a obra passou pelos cinemas arrecadando um ótimo lucro, batendo recordes no Reino Unido e recolhendo as tradicionais críticas mistas do público. É o tradicional filme que satisfaz aos fãs e simpatizantes do gênero, mas desagrada os mais críticos ou descrentes em filmes do tipo. Quem procura furos ou improbabilidades no roteiro, vai se sentir realizado.
A história é basicamente um advogado (Radcliffe) que, após perder sua família recentemente e ter seu emocional abalado, vai para uma mansão no interior da Inglaterra para tratar dos documentos de seu proprietário falecido. Mas alguma coisa habita aquela casa. Alguma coisa escondida entre os segredos daquela pequena vila inglesa. Tendo a adaptação de Jane Goldman para o romance gótico de Susan Hill, James Watkins prefere bem mais dar atenção a uma boa direção estética e criação de ambientes, do que realmente focar em certos pontos importantes da história. É incrível a capacidade do diretor de absorver a leitura obscura e incômoda da obra literária de Susan, e recriar essas mesmas características dentro do filme, filmando paisagens nubladas, desérticas e cinzentas, pessoas gélidas e quartos escuros, felicidade morta. São nas imagens melancólicas e no rosto das pessoas que a tão explorada presença da morte se faz sentir, com a câmera registrando toda a frieza que ultrapassa a tela e instala aquela atmosfera mórbida na alma de quem se deixar penetrar.
Como o próprio título já insinua, é uma obra mergulhada no sentimento de luto, de pessimismo em buscar a vida e da onipresença da morte. Como se não bastasse todas as esperanças e inocência serem destruídas, com crianças se suicidando e adultos com olheiras cada vez mais profundas, ainda há o clássico fantasma assombrando o vilarejo, um legítimo encosto para seus habitantes, uma sombra para sempre segui-los e destruir suas chances de perpetuarem suas famílias. Cada vida caminha para um destino trágico e inevitável, que se confronta a todo o momento com ruas sem saída, restando apenas o choro e o silêncio para aceitar a deterioração de qualquer esperança. O clima é de funeral, pessoas de preto no enterro. Tudo se arrasta para a cova negra.
Já que se trata de um clássico filme de casa mal assombrada, é claro que ele conservará muitas características e passagens desse estilo. Palavras nas paredes, casas pegando fogo, fantasmas e barulhos surgindo e desaparecendo, histórias obscuras que eram para permanecer em silêncio, bizarrices cada vez mais frequentes. Cada cômodo da casa emitindo sons diferentes, arranhões, pegadas, sussurros. Todos os clichês sendo bem usados, contribuindo com uma familiaridade com a história, mas também despertando um estranho interesse. Não são só as características do subgênero que se conservam, mas também as do próprio diretor, com seus personagens desnorteados, a xenofobia (em intensidade mais diminuída) e o final inevitavelmente trágico. É uma obra que deixa explícitas suas referências e sua própria personalidade perante o seu subgênero e o que ele representa.
Pra quem já começa um filme procurando defeitos, “A Mulher de Preto” pode ser um deleite. É inegável que o clímax da obra realmente deixa a desejar, e as cenas improváveis geram um estranhamento. Porém, assim é o cinema de horror. A realidade sucumbe ao inexplicável e o crível se expande para outro nível. Esse segundo trabalho de James Watkins não só prova seu talento em dirigir histórias sombrias e gradualmente desesperadoras, o colocando próximo a nomes como Alexandre Aja e Christopher Smith, os grandes e jovens diretores atuais do gênero, mas marca um dos pontos altos do cinema fantástico deste ano. Seja na imersão ao sentimento de morte ou na nostalgia de um belo tratamento a um tema tão explorado, o longa deve ser visto sem grandes expectativas e com olhar observador para cada presença incorpórea poder ser sentida.
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