Após cortejar com o musical em A Noiva Cadáver e A Fantástica Fábrica de Chocolate (seguindo, aliás, o mesmo trajeto definido pelo filme original, de 1971), eis que Tim Burton finalmente decide abraçar o gênero com a adaptação da famigerada peça de Stephen Sondhein, tentando casá-la com conceitos estéticos e narrativos notórios de seu cinema (leia-se: protagonista socialmente deslocado, beleza extraída do soturno e do exagerado, influências góticas, etc. e etc.). E o resultado deu mais que certo.
Desde o longo prólogo, que já dá uma prévia noção sobre a grandeza plástica impressa pelo diretor – coisa que, á propósito, tem sido constante em seu trabalho, basta lembrar a apresentação inicial de Edward Mãos de Tesoura ou mesmo os filmes citados mais acima –, assim como o deslocamento (que já virou característico) dentro do padrão mais “convencional” de primor. Em Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, contudo, essa percepção sombria e distorcida do diretor sobre a gráfica e a cenografia se encaixa organicamente nesse painel de Inglaterra suja e corrompida da metade do séc. XIX.
E, diferente do que se pode imaginar, a carga musical não traz um ar esfuziante nem ao decadente cenário londrino, onde a história se ambienta, tampouco ao instinto de vingança que impulsiona o barbeiro criminoso; elas, na realidade (com exceção de um ou outra, que desopila a atmosfera), endossam os contornos melancólicos, os tons cinzentos e a tragédia iminente. As canções, também, vêm com o propósito de “andar” com a história, de aumentar o panorama dos personagens (como em “By the sea”, por exemplo, interpretada por Helena Bonham Carter, onde temos outra dimensão sobre os sonhos e sentimentos que movem a Sra. Lovett), e enfim, encorpar mesmo o texto.
Por outro lado, as músicas não se equivalem ao espetáculo visual, como poderia ser o pretendido, às vezes, inclusive, a técnica as acaba soterrando. Talvez pela inexperiência de alguns nesse âmbito, ou simplesmente pela falta de presença em cena. Ilustrando essa idéia, o casal de pombinhos, Anthony e Johanna, são interpretados sem qualquer tipo de expressão pelos novatos Jamie Campbell Bower e Jane Wisener, e colaborados pela insistência dele numa só canção e a voz um tanto irritante por parte dela, tornam aquele arco dramático pouquíssimo interessante de se ver – e ouvir, consequentemente.
Outro que parece estar no piloto automático é Johnny Depp - não que ele esteja mal, só não está no seu melhor -, que tenta construir um personagem sombrio sem, para isso, abandonar alguns de seus cacoetes cômicos, aliados agora a alguns trejeitos estranhos que ele desenha ao protagonista (sobrancelhas cerradas a todo tempo, oscilações de voz, entre outros); isso para não falar que ele simplesmente diminui diante de Helena Bonham Carter em ação, que faz da cozinheira de receitas asquerosas uma personagem adorável, dentro de seus paradoxos internos (afinal, não são todas as senhoras com afetividade maternal e sonhos de uma vida comum que têm a coragem de fazer dinheiro à custa de assassinatos). Ela, assim como Alan Parker e seu antagonista, rouba a cena.
Não tem a revisão da carreira que Burton faz, por exemplo, em A Noiva Cadáver, nem a fábula excêntrica e moralizante de Peixe Grande , se julgarmos a fase pós-anos 2000; há um cineasta aberto a outros campos, mas que não deixa de preservar o estilo que o singulariza enquanto artista. Diria que Sweeney Todd está para essa nova fase (tão mal julgada pela crítica) como A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça esteve para a sua carreira nos anos 90: com a tragédia em evidência, a carnificina (não, por acaso, são os dois filmes mais sangrentos do diretor), e um passo numa área até então não explorada (investigação e musical) – atestando a coesão e a fidelidade desse diretor ao seu modo de fazer cinema, sem abandonar os riscos e as novas (e, aqui, bem sucedidas) apostas.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário