“Você vai para as cidades de papel e nunca mais volta.”
Se a pressa é realmente a inimiga da perfeição, como dizem, existe um filme sensacional escondido em algum lugar de Cidades de Papel, nova adaptação de um dos autores do momento, John Green, comandada por Jake Schreier. Por que, por alguma razão indecifrável, Cidades de Papel tem pressa. Muita. E o maior prejudicado é o próprio filme, que quando exibe um aguardado beijo de reencontro, deixa o espectador meio perdido sem saber o que ao certo levou os personagens àquele beijo. Assim, o maior acerto da adaptação escrita por Michael H. Weber e Scott Neustadter, que também foram os responsáveis pelo roteiro de A Culpa é das Estrelas, do mesmo Green, acaba sendo trocar o foco da história da busca de Quentin (Nat Wolff) pelo amor da sua vida, Margo (Cara Delevingne), que aparentemente fugiu e deixou diversas pistas para o garoto encontrá-la, por uma narrativa de rito de passagem, sobre um grupo de amigos que acabando o ensino médio torce para aquele fim não ser bem um fim, mas um começo.
Daí algumas mudanças significativas na história de Green, muitas delas envolvendo a viagem de Quentin e seus melhores amigos, Radar (Justice Smith) e Ben (Austin Abrams), além da namorada (Jaz Sinclair) do primeiro e da pretendente (Halston Sage) do segundo, atravessando parte do país em busca da cidade de papel que pode ou não ser o refúgio de Margo. É compreensível, por que o melhor do filme está ali, na camaradagem entre os garotos, nos pequenos momentos que sabemos logo depois que acontecem que se tornaram grandes na memória – a cena que envolve a música-tema de Pokémon é uma dessas coisas, que qualquer um com amigos já viveu parecido -, nas risadas despertadas por aqueles personagens, mas também na conversa simples e gente como a gente que eles tem em uma parada na estrada.
Por que Margo é tão apressadamente apresentada e tirada de cena que de uma garota misteriosa e idealizada se torna apenas uma garota chata e meio egoísta, ainda que o filme ao final tire um pouco dessa impressão ao finalmente lhe dar propósitos claros, o que acaba sendo pouco, por que o estrago já estava feito. E Cara Delevingne é bonita e tudo mais, mas não segura a personagem. Já Nat Wolff, que roubou a cena no ótimo Ligados Pelo Amor e no próprio A Culpa é das Estrelas (e que continuo defendendo como o Homem-Aranha ideal para o novo reboot do personagem), é carisma puro. É eu, você e qualquer um que já esteve no ensino médio, apaixonado por alguém que pode ou não ser quem você imagina que seja. É Quentin, Q., mas é também tantos que você se identifica com ele mesmo que o roteiro nem ajude tanto, ainda que dedique bons minutos de narração em off para ele. Já Austin Abrams e Justice Smith são aqueles coadjuvantes certeiros para um filme desses: servem de escada para o protagonista, mas aproveitam as chances para voar solo – Abrams e o resultado de uma festa regada a bebida, em especial.
São qualidades, claro, mas que não tiram o gosto de decepção da boca quando no final você ouve toda aquele papo sobre pessoas não serem milagres, mas apenas pessoas, e percebe que em mãos mais capazes, talvez a história tivesse rendido algo bem mais interessante. Por que se a história do trio de amigos cativa e tudo mais, a verdade é que Margo, as pistas, a cidade de papel e outras coisas, são mera perfumaria no filme, daí ser tudo apressado quando envolve um desses pontos ou todos. Tivesse excluído tudo isso, focado nos jovens amigos e na transição para a vida adulta, Schreier talvez tivesse feito algo memorável, ainda que o material original de Green não o seja (apesar de muito bom, esse posto é de Quem é Você, Alaska?). Do jeito que ficou, no entanto, Cidades de Papel é só mais um filme onde falta algo, tem o coração no lugar certo, mas ainda não tem a maturidade pra fazer vale-lo.
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