Desde a primeira vez que tive a oportunidade de ver Gyllenhaal em cena, já soube que ali tinha muito mais que enigmáticos olhos azuis e traços de galã. Em "Donnie Darko" o ator já exala e explodia em cena o que viria anos depois com o devido amadurecimento e aperfeiçoamento de seu trabalho. Totalmente sensível, amulacado e genial, o filme se tornou cult e possui seus adoradores por aí que só crescem ao longo dos anos. Em "Soldado Anônimo" esse aperfeiçoamento já vinha tornando forma e quase se encaixando nos eixos e no mesmo ano de 2005 veio "O Segredo de Brokeback Mountain" com a perfeição de suas técnicas, inclusive com uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Ator Coadjuvante. Em 2009 uma outra ótima atuação em "Entre Irmãos" e posteriormente tentou a linha dos blockbusters atuando em "Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo" e "Contra o Tempo", tentativas não tão bem sucedidas assim, mas em 2013 veio mais um excelente trabalho em "Prisioners" e aqui em "O Abutre", Gyllenhaal carrega o filme nas costas e prova definitivamente ser um excelente ator...
Gyllenhaal vive Louis Bloom, que logo na cena de abertura ataca um guarda de uma empresa e rouba grades para vender o metal. O protagonista claramente tem problemas de socialização, mas tenta esconder a frieza e falta de empatia ao emular falas positivistas, como se estivesse citando livros de autoajuda. Ele se esforça para parecer inocente e simpático, porém algo sombrio transparece por meio de seu olhar. Desempregado e sem amigos, Lou é extremamente ambicioso, apenas não descobriu como fazer dinheiro fácil. Isso muda quando cruza com uma equipe de cinegrafistas que vive de caçar acidentes e cenas de crimes para vender para o noticiário local. O rapaz logo percebe uma oportunidade, rouba uma bicicleta e a troca por sua primeira câmera e rádio da polícia a fim de fazer dinheiro com matérias sensacionalistas pelo infortúnio dos outros.
Várias vezes no cinema, esse jornalismo sensacionalista que gira em torno de acontecimentos desastrosos na vida do cidadão foi retratada de várias formas, a começar por "Um Dia de Cão", "O Quarto Poder" e recentemente duas vezes pelo diretor brasileiro José Padilha em "Tropa de Elite 2" e em sua incursão por Hollywood com o remake de "Robocop". Matérias sobre fulano que venceu vários concursos científicos ou de matemática não vendem nada para a TV, noticias relacionados a ciclano que cuida e da de comer para 200 crianças abandonadas também não faz nem cocegas nos medidores de audiência, o negócio é sangue, tiro e mortes. Quanto mais melhor, obrigado. Samuel L. Jackson encarna bem um apresentador desses programas policiais que pedem atrocidades diante das câmeras em "Robocop", um exemplo bem vivo desse tipo de jornalista é o exagerado Marcelo Resende, que encara esse tipo de personagem com maestria e destreza nos seus programas tupiniquins.
Dan Gilroy, roteirista responsável por "Freejack", "Uma Loira em Apuros", "Gigantes de Aço" e "O Legado Bourne", todos filmes medianos e praticamente esquecíveis, dessa vez, o roteirista se arrisca também no posto da direção e entrega um filme que poderia ter tido um acabamento melhor, talvez faltou mais experiência ao diretor para dar ares mais épicos ao encerramento do longa. A força motora do filme realmente é o personagem de Louis Bloom, a evolução que o camarada vai ganhando ao longo da trama é regiamente de encher os olhos. Uma faceta que logo aflora de Bloom é sua forma de tentar chantagear todas pessoas a sua volta a todo custo e isso fica claramente evidenciado ao longo que sua ganancia toma ares cada vez mais doentios. Bloom utiliza de closes quase que pornográficos em suas filmagens e não mede meios para atingir seus objetivos. Em pré-estreia do filme nos EUA, em certo ponto questionado sobre a personalidade de Bloom, Gillenhaal acredita que nenhuma das atitudes de seu personagem seja ilegal, mas ele mesmo questiona a dúvida de que será que realmente o que ele faz o deixa inocente?
Com quase um todo do filme ser filmado a noite sob luzes de neon, o filme remete e nos faz lembrar um pouco de "Cidade dos Sonhos" e "Drive" com sua saga iniciada e concluída ao anoitecer. A câmera de Gilroy exibe, procura e encontra uma Los Angeles suja e decadente e essa perspectiva é realçada pela fotografia quase que digital de Robert Elswit. Fiquei feliz que a sempre deliciosa Rene Russo tenha saído de sua zona de conforto e arriscado uma atuação fora de seus habituais trabalhos. O Loe Loder de Bill Paxton é apenas mediano e a grande surpresa fica a cargo do desconhecido Riz Ahmed na pele do parceiro de Bloom, Rick.
Infelizmente os acertos do filme não suprem totalmente algumas inconsistências da história e do roteiro, como por exemplo quando Bloom começa a chantagear e explorar uma fragilidade que ele encontra em Romina e então acaba por revelar um desejo reprimido que sente por ela, mas posteriormente Gilroy deixa essa situação esquecida e tudo é deixado de lado de forma repentina e o final em aberto também não satisfaz. Esses subentendidos, esses diz que não me diz incomodam muito e o clímax broxa ao invés de excitar. Ainda reafirmando o bom trabalho de Gyllenhaal para o filme, o ator perdeu 12 kg para trabalhar no longa e a cena em que o ator da um soco no espelho foi de verdade, tanto que ele cortou feio a mão e só voltou a gravar após ter sido tratado no hospital. Com elementos até de humor negro e terror em aguns momentos, "O Abutre" se mostra no final uma experiência um tanto frustrante, mas assisti-lo se torna fato indispensável no acervo de qualquer cinéfilo...
O Guilherme muito obrigado pelo elogio! Sobre o filme me decepcionou um pouco, mas o Gyllenhall está excelente!