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Críticas

Cineplayers

Uma rasa e súbita história de amor.

4,0
Aspectos novelescos (Soap opera) afloram de maneira descomunal hoje em dias nas grandes produções americanas. Geralmente intensificados por uma premissa interessante, os longas, em sua maioria, são entregues como produtos esquecíveis, de teor bastante efêmeros, como um entretenimento excessivamente vazio, sem qualquer tipo de elemento diversificado, abusando de uma fórmula estabelecida nos anos 90, que foi aprimorada na primeira década do século XXI; fazendo o grande público assisti-los de forma automática, forçando uma sensação de espera propagada pelos trailers bastante chamativos e que apresentam, basicamente, as únicas cenas boas do filmes. Mesmo tendo quem leve cinema a sério - e têm seus filmes devidamente lançados - há quem apenas o trate como um passatempo (a grande maioria) e, logicamente, não se trata de um erro social, cada um com seus gostos. O problema é quando a obra tem potencial para se destacar da maioria mas é ofuscada por sistema coercivo. Passageiros poderia ser uma boa e honrada ficção-científica, concebida para acrescentar à arte, criando toda uma base de conversas do público nichado, proliferando discussões reflexivas para ser lembrado como um destes filmes modelares. Porém, como várias das produções norte-americanas recentes, o longa se atribuiu por um roteiro inócuo, personagens pessimamente construídos e acontecimentos previsíveis e importunos.

O longa narra a história de Jim Preston, interpretado por Chris Pratt, um passageiro de uma nave espacial que transporta milhares de pessoas para um planeta colônia, que tem uma avaria em uma de suas câmaras de sono e é despertado 90 anos antes de qualquer outra pessoa. Confrontado pela perspectiva de envelhecer e morrer sozinho, ele então decide acordar um segundo passageiro, Aurora Lane, vivida por Jennifer Lawrence - esta que é retratada de uma maneira bem objetificada - marcando o início do que se tornará uma história única de amor. Apesar da sinopse atraente, que segue com uma premissa bem segmentada onde questões sobre individualidade, moralidade, solidão e benevolência podem ser levantadas, o longa apenas entrega superficialidades: em todo momento, se concretiza o amor de uma maneira obtusa, exuberante, porém inverossímil, sem qualquer sustância incutida.

Passageiros, com seus personagens unilaterais, não apresenta nenhum resquício de complexidade ou subjetividade; sempre a retratação é feita de modo direto, tornando, portanto, como já se esperava, Preston um herói - algo relacionado a um exemplo para ser seguido - esquecendo, de maneira perturbadora, todo o contexto impregnado à narrativa. A grande questão não é o personagem ser este asco humano - existem vários na cultura popular que adoramos - e, em certos momentos, há um sentimento de arrependimento vindo de Jim; mas, não reconhecer seus problemas e erros, gerando uma ausência de autocrítica, que se estabelece numa falsa ética acentuada por um egoísmo travestido de vitimismo, faz qualquer indício sentimental ir por água abaixo. Jennifer Lawrence marca com uma atuação fraca, em uma personagem influenciável, inepta - seus melhores momentos são fortificados pelos caros efeitos especiais - em cena, seus diálogos são vergonhosos, sua atuação é quase nula, vemos um retrato da própria atriz sob seus papéis e o peso que isso tem em sua interpretação, quando tenta ser teatral, mostra-se sem dimensão, abstraindo-se de qualquer força em tela; diferente de Pratt e Michael Sheen - o robô garçom - que conseguem, ao menos, entregar um bom humor em seus maneirismos.

Com pouca ou quase nenhuma substância narrativa, o longa falha crucialmente em absolutamente tudo. Quando entrega uma ação abrupta, se prende a situações banais, divertindo nos primeiros minutos, mas irritando algum tempo depois. Ao tentar ser intimista, cria um drama pessoal que não tem amparo, já que questões morais são pouco abordadas e quando levantadas se solidificam como algo bem raso; e quando tenta ser um suspense, não cria sustentabilidade, pois já conhecemos e sabemos o entorno dos personagens e as pretensões de seus realizadores, fazendo qualquer passagem previsível, estragando todo conflito que a obra venha a ter. 

Morten Tyldum, diretor da produção, se mostrou decente algum tempo atrás com o suspense alemão Headhunters (Hodejegerne, 2011). Quando foi para Hollywood, agradou críticos e o público com o mediano O Jogo da Imitação (The Imitation Game, 2014). Neste aqui, além do notório peso de produtor, há um cinismo do diretor, característico à indústria, principalmente quando quer vender algo: seus olhos estavam voltados ao modelo de sucesso, ocultando sua criatividade. A equipe técnica é primorosa, o diretor de fotografia, Rodrigo Prieto, que já trabalhou com Scorsese e Iñárritu, faz um bom trabalho, destacando a profundidade dos cenários, e consegue trabalhar junto com os efeitos-especiais, que são bem feitos, mesmo passando uma sensação artificial. Por sua vez, a direção artística, incluindo figurino e locações, é bem pensada, fazendo sentido no contexto geral. Entretanto, a emoção barata, a superficialidade íntegra e as situações de vergonha alheia - algo que o filme tem aos montes - tiram qualquer brilho, fazendo com que se torne não só um entretenimento rápido, mas também uma obra totalmente esquecível.

Comentários (1)

Liliane Coelho | terça-feira, 17 de Janeiro de 2017 - 12:43

Fraco mesmo. E longo demais. Uma promissora perspectiva filosófica que oscila entre Kant (usar o outro como instrumento) e Nietzche (desejar e prolongar a solidão é uma fraqueza, como diz em Zaratustra) simplesmente vira uma novela das 7 que você sabe exatamente como vai terminar desde os primeiros 10 minutos de duração do filme.
Tudo é mastigado demais. Você sabe quando Aurora vai descobrir a verdade, você sabe quando a nave vai dar problema, você sabe como o filme termina. Não há desafio algum a quem assiste, não faz pensar mesmo com uma premissa tão rica. Desperdício.

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