“Você não pode mudar o passado. Mas o futuro pode ser diferente. E precisa começar por algum lugar.”
Somos uma raça insatisfeita por natureza. Dê a um ser humano tudo com o que ele sempre sonhou e em um curto período de tempo ele conseguirá se sentir incompleto e desejoso de algo completamente inverso. Dito isso, nada mais natural do que uma pessoa em um relacionamento dos sonhos desejarem recuperar sua solteirice e, quando solteira, desejar um relacionamento sério. Ou alguém lutar a vida inteira para conquistar riqueza material e desejar no fim o calor humano – e vice-versa. Não é loucura. É apenas nosso instinto falando mais alto. Assim, o título abrasileirado desse belo Litlle Children, Pecados Íntimos, revela uma imaturidade imensa dos responsáveis por essa atrocidade, já que tudo que o filme NÃO faz em momento algum é julgar seus personagens, apenas humanos sendo humanos – portanto, falhos por natureza -, algo que “nosso título” faz em duas palavras.
O “Criancinhas” do original se refere a todos os personagens que habitam o universo criado por Tom Perrota em seu livro de mesmo nome e levado às telas por ele e Todd Field: somos todos crianças, lutando com nossa própria imaturidade e inadequação ao longo de toda a vida, apenas para chegar ao fim dela e descobrir que, numa variação da famosa frase, ninguém é maduro o suficiente quando se trata de viver, essa coisa tão complexa e complicada.
Assim, Brad (Patrick Wilson) se casa com uma mulher segura, bonita e profissionalmente estável, tem um filho saudável e adorável, mas se sente preso dentro de sua própria vida. Frustrado por ter perdido a juventude cedo, após a morte da mãe e consciente de que mesmo casado com uma bela mulher, o fogo de seu casamento diminuiu, o personagem parece não encontrar satisfação alguma em seus dias que se repetem indefinidamente: acordar, se dedicar ao filho e à casa e fingir que estuda para a prova da Ordem de Advogados, na qual já reprovou duas vezes. Assim não surpreende que uma fagulha de esperança se acenda ao ser convidado por um amigo para praticar futebol americano e, muito menos, que essa fagulha se torne uma chama imensa ao iniciar uma relação extraconjugal com a Sarah interpretada por Kate Winslet. “Esperança”? Sim, esperança de sentir-se vivo novamente, de lembrar que por trás de sua vida de fachada perfeita e de seu interior de insatisfações, ainda pode existir algum prazer nessa estrada chamada vida.
Dito isso, Brad e Sarah nasceram para se encontrar em um parquinho com seus filhos e iniciarem um “romance”. Tal qual o bonitão, a moça vive insatisfeita consigo mesmo e os rumos de sua vida. Doutorando em Literatura que abandonou a vida acadêmica para se dedicar à filha, Sarah há muito não sabe o que significa paz de espírito, enlouquecendo com a dedicação integral à pequena Lucy e com a distância do marido que mal vê em casa – e quando o faz, é para surpreendê-lo se masturbando, ignorando a bela mulher que habita o cômodo ao lado. Sendo assim, não surpreende que o casal se transforme na companhia um do outro em pessoas de sorriso fácil e de longas conversas sobre coisas prosaicas que assumem roupagem de sonhos. Eles, finalmente, se sentem vivendo.
E por mais que alguns se esforcem para julgar Sarah e Brad como estranhos no ninho na pacata comunidade de classe média em que habitam, todos parecem esconder suas frustrações e tentativas de fuga da realidade: das donas de casa que à noite transam com os maridos “por obrigação” e no dia seguinte sentam-se no banco da praça para desejar o bonitão com o qual não tem a coragem necessária para se envolver, ao policial de aposentadoria (Noah Emmerich) forçada que passa a perseguir o pedófilo (Jackie Earle Haley, indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante) recém libertado que inflige medo nos arredores da vizinhança.
Filmado com sutileza por Todd Field, Pecados Íntimos (argh!) não se preocupa em apressar as coisas, desenvolvendo com calma seus personagens e as situações a serem exploradas pelas relações entre eles, assim, quando um momento particularmente delicado se avizinha, a câmera de Field faz questão de nos preparar para toda a dimensão da cena, marcando com precisão o cenário – uma piscina pública – e nos colocando alternadamente na pele dos personagens participantes, com direito até à uma câmera subjetiva que mergulha na água, alheia ao movimento que se inicia lá fora. Também merece aplausos a maneira encontrada por Field e seu montador, ???, para ilustrar a aproximação de Brad e Sarah, utilizando uma montagem de cenas fluídas que utilizam a mesma piscina para ilustrar a passagem de tempo e a gradual dimensão que a relação assume.
Recheado de atuações que variam de eficientes (a sempre bela Jennifer Connelly e Noah Emmerich) à excelentes (Patrick Wilson e Kate Winslet brilham), além de uma narração que que sempre desempenha papel importante quando surge na tela, traduzindo em palavras sentimentos internalizados por aqueles personagens – a passagem que diz que Sarah está disposta a trocar uma relação com Brad pela sua companhia durante as tardes na piscina é brilhante – Pecados Íntimos representa um belo filme, que ainda guarda tempo para um final sem concessões de roteiro – algo sempre raro e válido em Hollywood.
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