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Dagon

(Dagon, 2001)
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Críticas

Cineplayers

A herética seboseira de Gordon Lovecraft

8,5

Stuart Gordon é um puta diretor de horror. Aqui ele adapta – em parceria com seu chapa produtor Brian Yuzna – dois contos do H.P Lovecraft:  Dagon (Dagon, 1919) e A Sombra sobre Innsmouth (The Shadow over Innsmouth, 1931), que une o já característico horror escroto do escritor – com suas divagações descritivas de monstros inomináveis –, somado ao tom visceral de sanguinolência e asco do cinema do Gordon – que aposta no horror corporal para dar corpo e vida, literalmente, ao mundos imaginador pelo escritor. Usa aqui do seu talento para criar uma cidade repleta de aberrações que engendram uma obliteração carnal através de uma seita cósmico-pagã que evoca uma criatura do mar escrota. Produção de baixo orçamento, onde as imagens de início na tempestade deixam isso claro, além do excesso de planos fechados, mas isso é bem contornado quando usado para a manutenção das tensões. Chegando na cidade, a coisa já melhora. Apesar do elenco meia boca. Mas foda-se, a ambientação faz valer a pena, com destaque também para o trabalho de maquiagem e de efeitos práticos que o material aposta, algo que nos força a entrar nessa tortura.

Estabelece personagens grosso modo no início, metendo o desastre marítimo pra trama avançar logo de cara. Parte do pressuposto de ter em sua ambiência um personagem vivo, que tem seus subsecretários esquisitos nos transeuntes mutantes. Clima opressivo em crescimento. Como se fosse um pesadelo inescapável. Apresenta o mal desconhecido através da estranheza, de imagens soturnas e pelo relinchar das figuras numa cidade estranha. É nesse esquema que entra o som. Em puro frêmito espasmódico e visceral. Destaque da porra. Usa dalguns clichês do terror para se aproveitar, como sons de chuva e trovões, mas o destaque fica para as vozes grotescas e roucas, gritarias e grunhidos animalescos. Cria uma cacofonia nauseabunda por excelência, que se propõe ao pesadelo citado, compondo bem a escolha narrativa de Gordon em criar um universo próprio bem idiossincrático. Tensão pela construção tétrica e pelo tom elevado de seboseira. Um pesadelo sonoro opressor, que funciona bem diante das vistas ao desconhecido apavorante, afinal, fomos jogados naquele universo tal qual os náufragos protagonistas.

Gordon aposta no sensorial do horror fartamente e, assim como citei o som acima, há o forçoso das imagens. As cores. O azul. O esverdeado do podre. Onde temos um universo especificado de criaturas e ambientes absortamente pútridos, não em abandono, mas em notável e macabra metamorfose. Uso constante da água. Seres aquáticos em transformação. Chuva, oceano, seres rastejantes. O elemento água presente eternamente na obra, como forma destas citadas transformações. A intenção de criaturas que creem que seu habitat natural é a água, e para lá querem voltar, onde, historicamente, assumiram isto através de crenças mitológicas escusas, conseguidas através de promessas de riqueza que chegaram a um preço de alto custo que carregara tanto sua sanidade, quanto suas formas humanas. 

O intrigante pelo desconhecido marítimo. "Deus não respondeu". Segue a literatura fantástica do Lovecraft. Crenças em divindades obscuras. Porque os monstros não se metem de vez no mar? O caminho religioso? Porque arrancam os rostos? Poder? Fazer sacrifícios ao seu Deus? A jumentice do discurso religioso cego? Assumir identidades outras para atrair iscas? Usam os rostos para se fingir em humanos, assim emulando os antigos rituais antes da transformação? Fanatismo religioso? Paganismo anticristão? Incesto? São múltiplas micro situações que a fita aposta em vomitar em tela para que possamos sentir o caráter pútrido daquela pequena comunidade. Tudo existente através dum mantra sacrificial em busca de uma expiação que demora a chegar, já que as exigências de uma divindade não cessam com o tempo, na verdade elas se proclamam pela eternidade. Isto serve para mostrar a cegueira viciosa de crentes que atestam quaisquer destruições para acatar ordenanças de seus deuses, por conta tanto de devaneios em forma de promessas, quanto pelo medo no qual estes devaneios se transformam, entrando no caráter melancólico duma purgação. Para isto servem as punições aos hereges e os sacrifícios de figuras outras. Na intenção de aplacar o tesão mitológico. A serventia deste mosaico é tácita ao montar este ambiente escroto que se finda de forma cínica com o protagonista que ao tentar de todas as formas destruir a prática ali existente – com o desespero final ao propor se matar para findar aquilo tudo – acaba por se filiar aos seres obscuros que por lá o prenderam e torturaram.

O cinema de Gordon – mesmo com limitações orçamentárias e/ou doutras naturezas (a complexa adaptabilidade do material base) – em junção com a literatura do Lovecraft, nos proporcionam uma espécie de curiosidade mórbida, que nos deixa com o asco que aquele universo e figuras nos acometem, dentro de uma figuração do horror sensorial. Onde interessam mais as sensações tácitas que o desconhecido causa, do que fabulações de coerências narrativas e/ou grandes tergiversações surpreendentes que possamos encontrar. O objetivo é causar nojo mesmo, e a habilidade de Gordon vai exatamente na sua manipulação audiovisual que tem em Lovecraft sua sacralizada inspiração, mas que propõe enaltecer o caráter de imagem que o seu cinema sempre clamou. Desde seus planos fechados mais claustrofóbicos que nos deixam adentrar ali lotados das sensações mais diversas que um pequeno clássico do cinema de horror dele possa oferecer, aos diversos tons de desespero que todos os personagens ali possuem – tanto aqueles que dali querem escapar quanto dos outros que querem finalmente uma catarse para o seio de sua divindade. Com muita grosseria e seboseira.

Partícipe do especial Monstruosidades Imensas. 

Comentários (2)

Gabriel Fagundes | sábado, 14 de Janeiro de 2023 - 19:25

Excelente quando o texto chama tanta atenção que você corre procurar uma maneira de assistir o filme. Já acompanhava seus comentários de antes, agora vou ficar ainda mais ligado nas recomendações

Marco Roberto de Oliveira | segunda-feira, 17 de Abril de 2023 - 13:48

Maravilhosa essa adaptação de Lovecraft, filme muito bacana! Do Stuart Gordon gosto muito da série Reanimator, diversão mais que garantida! Ambientação maravilhosa, como você disse, e a chuva não para...

Ted Rafael Araujo Nogueira | terça-feira, 25 de Abril de 2023 - 10:16

Ele é o sujeito que melhor conseguiu adaptar Lovecraft. E com filmes de orçamento limitados pó algumas vezes. É um puta feito.

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