O enclausuramento do Estado em O Exercício do Poder
Se existe um tema que nunca sai de moda, pois recorrente nas produções cinematográficas em todo o mundo, é a política. Nem sempre as coisas saem tão bem e uma imagem idealizada, romântica ou até mesmo caricatural e folclórica sobre a atividade política acaba distorcendo as múltiplas conexões que agem sobre ela. De Frank Capra, em Mr. Smith Goes to Washington, de 1939, a O Amante da Rainha (2012), de Nikolaj Arcel, há diversas obras que, a seu modo, constroem enredos interessantes para aqueles que querem conhecer como a Sétima Arte se aproxima da realidade da política sem perder a capacidade de entreter.
No filme de Capra, um cidadão comum, Jefferson Smith (James Stewart) repleto de valores puros e inocentes, é alçado por um acaso ao Senado americano e se vê objeto de manipulações que unem umbilicalmente o legislativo, o mundo empresarial e a mídia. Em O Amante da Rainha, filme que retrata a família real dinamarquesa, no século XVIII, liderada pelo insano rei Christian VII, é possível se constatar a fragilidade de uma reforma de inspiração iluminista diante de uma reação enérgica da nobreza e uma desorganização política da sociedade nas camadas mais pobres.
O Exercício do Poder, segundo longa de Pierre Schöller, lançado em 2011 e vencedor do Prêmio César de roteiro original, ator coadjuvante (Michel Blanc) e melhor som, é uma dessas obras que captam com arguta sensibilidade e maestria a complexidade do processo político, maximizada pelo enquadramento do Estado por forças sociais cada vez mais influentes sobre as decisões públicas e, principalmente, por forças econômicas cujo prestígio está incrustado na máquina pública, conduzindo-a às suas necessidades de lucro.
A trama, rodada na Bélgica e na França, se desenvolve a partir de um fictício Ministro dos Transportes francês, Bertrand Saint Jean, numa interpretação convincente do experiente ator Olivier Gourmet, que, no cargo executivo, é submetido a fortes pressões profissionais e pessoais. Como ponto de partida, o vemos lidar, durante a madrugada, com um trágico acidente de ônibus, que vitima várias crianças. Aí já temos a primeira grande sacada, que é a substituição da gravata do político, em virtude da sua imagem diante cobertura das redes de televisão. A imagem é componente fundamental do personagem "político", seja o tipo formal ou o tipo rebelde - é através da imagem que se manifesta um tipo de identidade a que se quer associar.
Um ponto positivíssimo para a obra é que ela não busca uma dualidade entre bons e maus. A política tem uma moralidade que lhe é própria e o político vocacionado, como diria Weber, precisa conduzir sua ação com paixão, responsabilidade e proporcionalidade, pavimentando, assim, uma longa carreira. Entre a ética da convicção e a da responsabilidade, Bertrand Saint Jean titubeia, mas fica com esta. Seu assessor, no entanto, ao optar por aquela, precisa renunciar ao poder.
Há outros filmes que retratam com qualidade a dinâmica do jogo político, como o filme-documentário de Eduardo Escorel, Vocação do Poder (2005) e o longa de George Clooney, Tudo pelo Poder (2011). O Exercício do Poder é uma produção belíssima, mas subestimada pela crítica. Para mim, é o filme que mais se aproxima da realidade política no alto escalão, com suas intrigas, interesses e carreirismos.
Confesso não ter conhecimento deste filme, mas com certeza vou procurar.