Se William Friedkin cometeu algum pecado durante a vida ele teve de reavê-los com as filmagens de Sorcerer. A obra-prima problemática representa para o diretor a mesma metáfora que sua trama propõe. Em vários sentidos ainda, ela não apenas derrubou toda credibilidade que Friedkin possuía, é considerada uma das obras que representam o fim da Nova-Hollywood, como sendo um dos fracassos financeiros após filmagens enlouquecedoras.
Saído de dois sucessos da geração, hoje clássicos absolutos, Operação França e O Exorcista, Friedkin tava pedindo tudo que queria. E não havia melhor momento pra ele largar as ruas e ir ao meio de uma floresta filmar um semi-épico com ares grandiloquentes. E ele foi. Mas se todos os ventos vinham a favor, alguma coisa no meio do caminho os fez mudar sua rota e filmar Sorcerer se tornou um exaustivo processo, que ao chegar ao fim fez o favor de acertar Friedkin com força. Hoje a obra se encontra em esquecimento, e passa por um processo de descobrimento após brigas mesmo décadas depois de seu lançamento.
Mas por trás de toda conversa fiada que envolve sua produção e a subsequente carreira do diretor, existe um de seus grandes filmes. Quatro homens que cometeram diferentes tipos de crime se refugiam em uma aldeia miserável que parece reunir toda sujeira do mundo para dar-lhes o julgamento final, como se fosse um purgatório na terra. Tais homens estão ali, não em busca de redenção, são jogados lá a força devido a vida que levavam, para indiretamente pagaram por seus pecados.
Mas antes de se encontrarem naquele lugar, Friedkin nos dá uma introdução a sua história. Um a um ele nos apresenta seus personagens, mas não quer saber de estudá-los, humanizá-los ou se aprofundar em seus atos e pensamentos, o que lhe interessa é mostrar o que seria o pecado individual que os levaria ao refúgio, que como já dito, não está ali para oferecer a redenção, e sim para lhes trazerem o castigo.
Inseridos em tal ambiente, onde ninguém possui identidade, a vida é levada sem leis e cada centavo é capaz de comprar um homem, eles esperam o momento da condenação. Não existem esboços de amizades entre os homens, que se cruzam por vezes ou outras, qualquer tentativa de aproximação se explica pela necessidade de suprir a solidão extrema causada pelo local, o que é de grande inteligência do roteiro, visto que a falta de aproximação cria um ar extremamente realista para a relação deles quando forçados a conviver e enfrentar perigos juntos, deixando-nos sempre com a suspeita de que passaram a perna uns nos outros.
A condenação chega aos infelizes. Uma empresa petrolífera da região precisa de quatro homens para um trabalho suicida. Transportar litros de nitroglicerina em dois caminhões através de uma selva inconstante com um tempo imprevisível. Em um lugar onde não se tem alternativa e o único desejo é deixá-lo para trás, todos os forasteiros que se encontram no ali se dispõem ao serviço, mas apenas os quatro iniciais são aprovados. Eles então partem rumo ao coração da natureza, prestes a irem pelos ares a qualquer momento, o que confere suspense e tensão a cada minuto da obra.
O olhar que Friedkin lança baseia-se no que há de material. A selva e a nitroglicerina concentrada representam duas forças distintas, a força da natureza e a força do homem subvertida erroneamente em algo que mata. Apesar de jogar seus personagens em um ambiente hostil, o diretor faz questão de dizer que nos fim das contas o que lhes oferecem mais risco é o próprio ser humano representado pela substância explosiva. E ele vai além, o homem não oferece risco apenas a si mesmo, mas também à natureza, isso fica claro na passagem com o tronco caído na estrada e a maneira como aqueles homens superam o obstáculo com recursos que esboçam a engenharia.
No fim das contas, o que se tem é um legítimo exemplar do cinema de Friedkin, dessa vez na selva, o que só deixa mais interessante. Ele entra no hall de filmes problemáticos que resultam em obras-primas. O único comentário que se vale a pena fazer sobre O Salário do Medo, de Clouzot, quando o assunto é Comboio do Medo é que a deixa final de Friedkin é das mais sacanas que o cinema já viu. Entre a suspeita de ter sido exigência de estúdio ou uma idéia espirituosa do diretor, não há como abrir mão da versão de que a dedicatória ao diretor francês saiu da mente de Friedkin. Quando vemos a mensagem ao fim do filme o primeiro pensamento é "o cara subverteu todos os conceitos do filme original com um ar raivoso, quase marginal, e ainda larga essa dedicatória". Apesar de todos os problemas, ele encerra sua obra de cabeça erguida e nariz em pé.
Muito boa crítica mesmo.
Sou um dos que não viram o filme. Mas após ler com atenção esse escrito (muito bom, escrito de forma a convencer quem não viu a ver) tenho de o conhecer. Ravel nos dá a entender que a obra trata do Capitalismo que marginaliza com o intuito de obrigar seres humanos a fazerem tarefas que nem bestas selvagens deveriam fazer. E fala também da persistência de um diretor que resolveu arriscar sua carreira para realizar uma visão toda particular de um clássico da década de 50 (que eu também não vi).
Demetrio e Julio são a mesma pessoa, acabaram de conquistar o fotograma fanático por fakes 1000 pontos kkkkkkk.
O babaca do Demetrio toda vez que vai fazer um comentário pra desqualificar alguém só cita o adjetivo pátrio se for gaúcho, e vem querer dar uma de moralista anti-preconceito. Imbecil do caralho esse fake desocupado da porra.