“Como é a sensação de levar um tiro?”
“Não dói...Se isso é o que você quer saber(...)”
É iminente o risco de vida daqueles homens filmados por Cimino. Não apenas, por que são submetidos a diversas “roletas russas” – e isso não apenas no jogo, mas suas vidas acabam sendo uma – mas por que estão de face para guerra e sabem naturalmente que algum “fim” já chegara para eles. Mas os homens naquele bar, não se acanham, mesmo que o ambiente captado (ambiente esse, daquela pacata região, nublada, cinzenta, sem esperança, tão crua e solitária como a região da guerra), na verdade os homens gravados por Cimino aqui, também fazem parte daquela região, despedaçada, injustiçada e sem rumo. A estética de Cimino parece afirmar a cada minuto, que aquela amizade não pode mais existir, está preste a se extinguir com os seus violentos cenários (não no sentido da violência pura, mas sim no da tristeza e melancolia que embalam o sentimento comum a todos, o de sofrimento), que informam o deslocamento eterno daqueles homens que agora se agravaria e tomaria finalmente um rumo.
A amizade, inclusive, daquele grupo de amigos, dos momentos mais nostálgicos, das noitadas jogando e bebendo no bar e em uma festa de casamento – evento que marca e barra de vez, aquele tempo para dar lugar ao outro. A guerra do Vietnã para Cimino parece ser o ponto essencial, não para simplesmente revelar os males de uma guerra que todos nós já temos alguma noção, mas sim para testar a resistência daqueles homens deslocados do mundo, mas de alguma forma conectados uns com os outros. Se o ato da caça era o que os unia, representava os “belos” tempos, é agora o que os separa. Parece que essa amizade, para Cimino é o que amadurece seus personagens, os que tem os olhares mais fortes e firmes (Michael[Robert DeNiro], Nick[Christopher Walken] e Steven[John Savage]) em contradição dos que não a experimentaram. Embora, jamais Cimino afirme de algum modo um saldo positivo da guerra, esses homens que a provaram dão algum valor a mais na vida, diferente do que se pode pensar, agora eles não são mais aqueles vagabundos qualquer que ao fim de semana iam ao bar para beber e a floresta para matar algum animal, são agora de fato “homens” ressurgidos das cinzas de uma guerra.
A roleta russa, responsável pelas sequências mais simbólicas, permitem a Cimino não se estender durante seu filme a cenas de puro tiroteio, torturas e explosões. A roleta russa ocupa perfeitamente então a posição oficial em O Franco Atirador (The Deer Hunter, 1978), de representação de toda uma guerra – inútil como todas as outras – fatal e perigosa que brinca com a vida por dinheiro e joga todo o mundo fora em apenas o aperto de um aperto no gatilho.
Puta texto, Ricardo. Bom mesmo. Só vi esse do Cimino e é excelente, com duas atuações gigantescas do Walken e do DeNiro.
Muitíssimo obrigado, Lucas e Pedro! 😁😁😁. Realmente, as atuações do DeNiro e Walken são sensacionais!
Katz, primeiramente obrigado pelo comentário. Bom, acho que a crítica não deve se preocupar em citar as falhas de um filme, prefiro comentar e analisar o filme como um todo, ao que ele é, provocando algum tipo de reflexão.
\"A cena da roleta-russa reluz sobre toda a narrativa não como banalidade da guerra, mas sim como é foda estar ali com aquelas pessoas após estar não-ali (dado o corte marcante) - e fosse o cenário geral que fosse (guerra ou não)\"
Discordo. As sequências simbólicas da roleta-russa dependem aqui do contexto da guerra, senão não haveria necessidade de Cimino colocar a guerra como cenário.
Cimino não só utilizou a guerra de Vietnã como pretexto para jogar seus personagens naquela situação. Seu objetivo foi claro: criticar e evidenciar os ações desenvolvidas( e sofridas) pelas pessoas na guerra. Sem a guerra do Vietnã o filme não teria o mesmo impacto. Talvez nem existiria. Vê-se uma ira embutida no argumento do Cimino quanto a política bélica(e social) norte-americana. Agora, lógico, a parte humana do filme é o prato principal.