Corrida do Ouro (2): Os Homens do Ano
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É fácil ganhar um Oscar? Definitivamente não é. Mas existem uns atalhos pra tomar que muitas vezes surtem efeito. Para atores, a biografia costuma ser de grande ajuda; para atores homens, é quase infalível. Espalhado pela história, as biografias sempre foram aliados de grandes nomes e mesmo de nomes não tão retumbantes em star power cinematográfico; não há como negar que Gandhi e Salieiri foram personagens fundamentais para premiar Ben Kingsley e F. Murray Abraham, respectivamente. Somente da década passada pra cá, vimos o escritor Truman Capote, o ditador Idi Amin Dadá, o prefeito Harvey Milk, o rei George, o presidente Abraham Lincoln e mais um homem condenado a morte por um urso, um cowboy infectado com o vírus HIV e um sobrevivente de campo de concentração, todos verídicos.
A essas interpretações geralmente vemos acrescidas transformações físicas ou protéticas, maquiagens e muletas que complementam e as vezes resumem esses trabalhos e esforços. Essas mudanças costumam tentar apagar o que nos conecta ao ator, e muita gente leva isso em consideração na hora de elaborar uma análise, por mais artificial que essas situações o sejam. Rapidamente comparando essas interpretações a uma mais enxuta como a de Casey Affleck em Manchester à Beira-Mar e forma-se uma diferença brutal, no qual a maior parte das pessoas costuma associar de fato esse excesso de "esforços" como parte do processo de mergulho para a interpretação, mesmo que essa imersão seja conseguida de maneira artificial.
Por exemplo, esse ano o Oscar de Gary Oldman era um pule de dez. Além do britânico ser das figuras mais queridas da indústria e não ter um boneco ainda, ele estava simplesmente encarnado em Winston Churchill, numa personificação impressionante. Ganhou com facilidade, apesar da concorrência com o mito Daniel Day-Lewis e com a novidade Timothée Chalamet. Mais uma vez, o retrato de alguém real falou alto e decidiu a parada, como em outras 5 vezes essa década. Pois desconfio que esse ano voltamos a premiar "um homem comum", ou apenas um personagem fictício. Não que não existam biografados de renome, tem pra onde se olha inclusive. Mas algo me diz que teremos um refresco dessa narrativa.
Uma característica em comum no grupo de homens com chances de indicação é a predominância por heróis frágeis, ou ao menos o exemplo do humano acima de toda a força masculina ser o diferencial desse grupo de homens. Não homens falhos, mas com problemas, reais, e prestes a sucumbir a eles, como se estivessem numa corda bamba. Lógico, existem os tradicionais biografados, e esse ano tem literalmente pra todas as idades.
Vamos a eles!
1) Por que Bradley Cooper?
Enquanto você lê esse texto, o filme estrelado e dirigido por Cooper já ultrapassou os 100 milhões de arrecadação nos EUA (+ 100 no resto do mundo), e Cooper vende talento e carisma como Jackson, o astro decadente que descobre a Ally de Lady GaGa, enquanto desce mais alguns degraus da existência. Em nenhuma das 3 encarnações anteriores de Nasce uma Estrela o protagonista masculino foi tão bem sucedido, e Cooper já estava na fila com suas 4 indicações anteriores (O Lado Bom da Vida, Trapaça e Sniper Americano - ator e produtor). Ele se arrisca a receber mais 4 indicações só esse ano, e seu empenho deve fazer uma dessas virar prêmio. Como ele está fantástico em cena, essa é sua maior chance.
2) Por que Viggo Mortensen?
Assim como Cooper, Viggo não interpreta alguém imaculado. Em Green Book, ele é o motorista de um pianista clássico no auge do racismo no sul, os anos 60. Ganhou peso, fala com um sotaque estranho e o filme parece que irá fazer em novembro o dinheiro que Nasce uma Estrela está fazendo agora, além de ser tão amado quanto ele, tanto que o prêmio de Toronto já levou. Viggo não é jovem, demorou a ver a carreira explodir, mas hoje é um astro com duas indicações anteriores (Senhores do Crime e Capitão Fantástico), agora protagonizando um provável hit, que fará todos lembrarem do grande ator que é.
3) Por que Christian Bale?
Porque dificilmente a biografia fica de fora, ao menos entre as indicações. Bale vai estrear na virada do ano como o vice presidente Dick Cheney do recém rebatizado Vice. O filme conta a história do segundo homem de George W. Bush, numa época que talvez ninguém esteja muito a fim de falar de um governo tão recente e tão impopular, mas Bale fez o trabalho de casa de sempre: engordou MUITO, mudou seu rosto com muita maquiagem, e no trailer já parece impagável. Já tem um Oscar em casa (O Vencedor) e mais duas indicações (Trapaça e A Grande Aposta), todas nessa década, assim como Cooper. O fato de já ser consagrado lhe atrapalha; o fato de que seu boneco anterior é de coadjuvante lhe ajuda.
4) Por que Ethan Hawke?
Essa é uma aposta. Hawke é aqueles caras boa praça que todo mundo na indústria adora, é um grande ator e já soma 4 indicações anteriores (2 como roteirista, de Antes do Por do Sol e Antes da Meia Noite, e 2 como coadjuvante, de Dia de Treinamento e Boyhood). Em First Reformed parece ter o papel de sua vida, como um padre envolvido com a morte de um ente querido e com uma investigação particular. Hawke foi o nome mais falado do primeiro semestre americano e sua indicação pode ser conseguida pelas associações americanas, que têm tudo para lhe encher de menções.
5) Por que Ryan Gosling?
Basicamente por estar no filme certo. Não que sua interpretação em O Primeiro Homem não seja de primeira, com certeza o é. Mas seu filme deve ser um campeão de indicações e ele está interpretando ninguém mais que Neil Armstrong, o que só contribui para essa certeza. Nessa sua provável terceira indicação (as anteriores foram por Half Nelson e La La Land), Gosling constrói mais uma vez o tipo introspectivo que marca sua trajetória no cinema, homens soturnos com muito a esconder e pelo qual sofrer. Será que ser tão interiorizado não pode lhe atrapalhar? A competição esse ano não tá fácil, e eu nem cheguei nos estreantes ainda...
6) Por que Clint Eastwood?
O trailer de A Mula acabou de sair. Na verdade, A Mula acabou de ser rodado há dois meses atrás... é, o tio está beirando os 90 e ainda tem lenha e fôlego pra queimar. Dono de 4 Oscars (filme e direção por Os Imperdoáveis e Menina de Ouro), Clint concorreu como ator somente com eles dois (ainda concorreu a direção por Bird, Sobre Meninos e Lobos, Cartas de Iwo Jima e filme pelos dois últimos e Sniper Americano), mas o boneco de ator nunca veio. Será que a Academia vai querer quebrar todos os recordes e fazer dele o ator mais... ok, não falarei velho... o ator mais "eterno" a ganhar um Oscar? O filme estreia também no finzinho do ano e tá com cheiro de fazer muito dinheiro.
7) Por que Willem Dafoe?
Esse camarada acabou de perder um Oscar ganho por Projeto Florida por absoluta falta de empenho do estúdio; era sua terceira indicação como coadjuvante (as outras foram por Platoon e A Sombra do Vampiro). Já passou da hora desse homem ser reconhecido, e que tal Van Gogh para essa façanha? No Portal da Eternidade acabou de dar a ele a Copa Volpi em Veneza e mostra um empenho raro de um ator. Assim como Ed Harris em Pollock, Dafoe aprendeu a pintar como o mestre e demonstra isso no longa de Julian Schnabel, em mais um sensorial tratado sobre a arte do diretor. O que precisa para ele chegar lá? Mais uma vez empenho da distribuidora.
8) Por que Rami Malek?
Finalmente o (primeiro) estreante da lista. Rami nos últimos anos vem sendo indicado e premiado na TV por sua série Mr. Robot e em Bohemian Rhapsody dá um salto mortal, ao pegar de Sacha Baron Cohen o papel do inenarrável Freddie Mercury, um dos maiores cantores da história da música e líder do Queen, uma das maiores bandas da história da música. Apesar da caracterização digamos extra vagas, Malek está sendo elogiado, e seu filme estreia no mundo todo em duas semanas com potencial de sucesso. Será que teremos mais de um cantor no podium? Difícil, mas não impossível.
9) Por que John David Washington?
O outro estreante. E porque ser um estreante conta pontos no Oscar? Porque até acontece, mas geralmente sempre tem um novato indicado pela primeira vez, 9 entre 10 vezes o estreante aparece. E esse aqui é um estreante de pedigree, filho do recordista Denzel Washington e protagonista de Infiltrado na Klan, o filme de Spike Lee que conta a história real do policial negro que consegue o que o título em português anuncia, das histórias mais fantásticas do ano. Será que o poder de papai é tão grande a ponto de empurrar o filho, ou será que o jovem Washington nem precisa disso para sua consagração?
10) Por que John C. Reilly?
Essa é uma aposta particular. Na virada do ano chega aos cinemas americanos Stan & Ollie, biografia estrelada por Steve Coogan e Reilly nos papéis dos imortais Stan Laurel e Oliver Hardy, ou seja, o Gordo e o Magro. Reilly interpreta a versão rechonchuda da dupla e está num ano iluminado, aqui e em The Sisters Brothers. Acho difícil que a Academia não se comova com o retrato de um artista tão querido e universal, pra coroar o ano primoroso de Reilly, que teve sua única indicação há 16 anos atrás por Chicago, e agora pode voltar ao ponto máximo de uma carreira.
Bom... e Lucas Hedges, Robert Redford, Joaquin Phoenix, Hugh Jackman...? Pra esses talvez a briga seja ainda mais forte. A Corrida do Ouro fica por aqui, mas semana que vem é a vez das mulheres na parada. Até lá.
Harvey Milk era prefeito?
Clint não concorreu ao Oscar por Bird!