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Cor que Caiu do Espaço, A

(Color Out of Space, 2019)
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Críticas

Cineplayers

O rosa como desvario visual alienigenoso

8,0

Temos aqui o retorno dum nome promissor do cinema fantástico nos anos 90, Richard Stanley. Ele dirigira os excelentes Hardware - O Destruidor do Futuro (Hardware, 1990) e Dust Devil - O Colecionador de Almas (Dust Devil, 1992). Corpos criativos, violentos e visualmente arrebatadores. A posteriori se envolvera na patifaria que fora a produção A Ilha do Dr. Moreau (The Island of Dr. Moreau, 1996), da qual seria demitido e entraria num exílio auto imposto por 20 e tantos anos – tirando uma participação como ponta e personagem de dois documentários, um deles sobre a caótica produção citada de alcunha Lost Soul: The Doomed Journey of Richard Stanley's Island of Dr. Moreau (2014). Quebrando literalmente esta sumida foi a feitura deste novo objeto imaterial, instrumentalizando conto do H. P. Lovecraft para o cinema. Este último, um sujeito com obra altamente problemática no que tange à adaptação, sendo o horror cósmico cheio das nuances estapafúrdias e insanas como motes. Quem melhor ajustava seus esquemas à tela grande fora o genial Stuart Gordon, que aloprava na escatologia. Aqui Stanley se esforça para arranjar o seu projeto remetendo homenagens ao cinema de horror dos anos oitenta, em especial objetivando o John Carpenter. Porém com pouco espaço – apesar da excelência na demanda – ao tão esperado e prometido body horror. Pai. Mãe. Filha. Filho. E mais um pivete. A trama consiste na relação familiar num esquema de doidiça mediante a queda dum meteoro. Este tem seu conteúdo vinculado a uma coloração rosa na qual chegara para ficar e metamorfosear o ambiente. Como esta família reage ao veneno ao qual são expostos?

Fotografia. Óbvio uso aberto das cores, a principal desde o início. Manutenção de atmosfera opressiva numa esquizofrenia crescente. A matização rosa já perambulando no espaço, mostrando que vai tomar conta de tudo. Por dentro e por fora. Desde flores na paisagem ao cabelo da progênita. Algo já presente antes mesmo de chegar. Como se o meteoro ao cair se alimentasse de substância pré-existente de si. Sem significado específico. A intenção é convulsionar. Confundir. Desde quando a loucura tem a obrigação metodológica da explicação? É cosmo-horror. Formas triangulares, pentagramas e estrelas de Davi se inserem num contexto de feitiçaria na figura da filha, aumentando o tom esquisito da obra junto dalgumas boas sacadas vinculadas, unindo bruxaria ao desconhecido alienígena. E a imagem constrói isso, como nas formas triangulares dalgumas janelas, paredes, teto, cômodos em geral e seus objetos. Dando a entender que a avacalhação vai tomar de conta. Porém o esquema de bruxaria para por aí. Serve no preparo do espaço e só, com retorno visualmente apoteótico em seu fechamento. A operação segue através de muitos travellings e dollys para o estabelecimento da ambiência dos personagens e, assim, aproximando a cor deles. Tal qual um vírus esfomeado. Perseguição feita principalmente na garota. A câmara age diferente nela. Chega junto. A segue pelos recantos, enquanto mantém-se mais estática diante doutros personagens. Isso se justifica por ela ser a possuidora dos elementos triangulares citados e por ter a pigmentação em si desde o começo. É a conexão mais equilibrada da casa com toda aquela desordem. Conforme fosse uma chave de entrada.

Mas o elo estanca. Ao fim a moça não possui ligação tão intrínseca porra nenhuma com a marmota extraterrestre. A intenção era gerar um clima para despirocar ao final, mas se esforça muito criando certa vinculação com ela acabando por não se justificar numa coerência diegética usual. Mas e a criar o tal climão? Serviu bem. Isso que interessa, mas causa uma sensação de desperdício ao que poder-se-ia fazer, porém não vou ficar viçando com conjecturas daquilo que poderiam desenvolver. Outras coisas soltas são perceptíveis, como no assunto dos sentidos. O pai sente um cheiro de podre e a juvenil ouve um som escroto. Isto era para fabricar o clima também, mas é esquecido em seguida. Sobretudo há uma possibilidade esquisita e grosseira. Que seja um determinado padrão narrativo escolhido. Prometer e elaborar uma performance narrativesca até certo ponto, e deixa-la de lado por um tempo para, assim, ulteriormente engrossar o caldo com a própria em ações – e transformações – insanas de seus personagens. Se a menina tem a bruxaria e os carambas ao seu lado e isto é esquecido até bem em cima do encerramento, algo similar pode-se dizer duma doença da mãe, que é citada brevemente e volta com ela virando monstro. Como se a doença humana agora se manifestasse monstruosamente e se lasque o filho dela nas suas costas. É a carga dominante deste rosa por sobre estas peças. Rapidamente se insere e muda as características das peças. O filme não busca fechar estas questões propositalmente. O desconhecido não precisa se explicar, mas fica aquele gosto de gaiatice retórica na boca. Uma marotagem? No fim das contas quem aplica mais objetivamente um crescente insano – sem limites – à proposta é o próprio Nicolas Cage. A fita é veículo perfeito para a loucura do método dele. É o operático. Método este explanado brevemente em crítica minha do seu filme Instinto Predador (Primal, 2019). E é algo que ele vem labutando tem bom tempo. Lá não havia tanto espaço para a arrumação de gritaria e avacalho como há aqui. Pai de família pacato a criar alpacas em sua fazenda e vai surtando a cada minuto até cometer explosões de fúria altamente exageradas. O interessante é que a metodologia do Cage é bem funcional neste ponto, com o maluco a exceder os limites e segurar o tom de urgência da situação em ter sua família infectada – e transformada – e ficar nessa junto. Espaço propício da maluquice dele. E o cidadão faz perfeitamente seu papel. Num misto de loucura, falsa-calma, seboseira e cinismo alucinatório.

No horror propriamente dito. Podreira. A fita possui algumas cenas bem construídas, asquerosas ou não. A cena dos dedos cortados é exemplo invocado. Desenrolando bem todos os elementos: visual; narrativa; som; trilha; montagem. Tensão criada nos cortes e no som enquanto a câmera passeia mostrando as faces e a confusão já ficando latente, com a trilha sonora num gradual crescente até o corte dos dedos da matriarca. Tudo silencia. Bem engendrada e já servindo de microcosmo em relação aos elementos desconhecidos que os cercam. Bichos-monstro. As alpacas metamorfoseadas homenageiam O Enigma de Outro Mundo (The Thing, 1982) e os efeitos práticos dos anos 80. Usando-os de maneira excelente e com CG bem equilibrado. Esperava-se tamanho mais desenvolto destas cenas, principalmente quando nos habituamos ao cinema do Stuart Gordon que, como já citado no início, fora o grande adaptador do Lovecraft e com um horror físico carregado. Stanley parte mais para a loucura imagética numa fotografia delirante como ponto principal do seu filme, deixando este horror físico na qualidade de consequência brutal do universo. Claro que não podemos esquecer a cena mais memorável da obra. A gororoba final da junção entre mãe e filho. Body horror de qualidade. A ideia de unir os dois num só monstro é foda e a técnica empregada é uma maravilha. Com sons incômodos e uma junção carnal repugnante e pastosa. Culminando numa junção pivete-monstro-mãe que ataca a filha e é esbagaçada pela arma dum Nicolas Cage já no auge da sua insanidade. “Esta não é a minha família” diz o cara sorrindo em loucura e desespero. O rosa tomando conta de um Cage tresloucado.

Não é coisa revolucionária ao horror cósmico (nem lutara para isso aliás), mas tem seu valor e assume suas disposições estéticas com certa gana e qualidade. Um retorno auspicioso na direção de um artífice talentoso desaparecido. E que o operacional Nicolas Cage continue nos brindando com toda a sua somatória jumenta do exagero estapafúrdio proposto. O cinema precisa de mais esculhambação.

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