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Não! Não Olhe!

(Nope, 2022)
7,1
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110 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

O Espetáculo de Gêneros

8,0

Um bom caminho para entender se um filme é bem sucedido em sua proposta se dá pela sua capacidade de construir imagens que permaneçam na mente do espectador. Neste sentido, muitos realizadores optam por fincar-se num realismo capaz de levar o público a experimentar exatamente aquela sensação vista na tela, como muito bem exemplifica a clássica história das primeiras exibições de a Chegada de um trem na Estação (L'arrivée d'un train à La Ciotat, 1896) dos Irmãos Lumière (Auguste Lumière e Louis Lumière). Por outro lado, há um cinema que também se instala no cérebro, mas que prefere construir imagens mais simbólicas, e seu sucesso está exatamente na profundidade desta concepção, tal qual Orson Welles elabora no mistério infinito de Rosebud em Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941).   

Depois de dois longas metragens absolutamente exitosos, a chegada de Não! Não Olhe! (Nope, 2022) na carreira de Jordan Peele, definitivamente coloca-o como um desses cineastas, fundamentalmente alegóricos. Mas não somente. Uma das maiores bandeiras do cinema negro contemporâneo, Peele se apodera dos já citados símbolos, e os conduz pelo terror, metralha piadas, ironias, referências culturais e históricas que evidenciam o absurdo por trás do racismo.  

Em seu primeiro filme, por exemplo, toda a loucura organizada pela família Armitage se inicia a partir da frustração do patriarca da família por ter sido derrotado por Jesse Owens na icônica corrida olímpica em Berlin assistida por Adolf Hitler. A História em Nope mais uma vez é ponto de partida narrativo. Otis Junior/ O.J (Daniel Kaluuya) e Esmerald (Keke Palmer), depois da estranha morte de seus pais, herdam o rancho de cavalos usados em produções hollywoodianas, legado ancestral da família que começara seu percurso na indústria com o desconhecido jóquei fotografado nas primeiras placas de Eadweard Muybridge. O primogênito quer manter o nome da família intacto, então tenta unir-se ao carisma da irmã para manter a estrutura da mesma forma. O bizarro parece tomar conta da vida dos irmãos, e o show dá mostras que não irá seguir como era, os animais começam a se comportar de forma estranha, e eles são obrigados a improvisar. 

Apesar dos diversos pontos de conexão, diferentemente de seus dois filmes anteriores, obras exemplares do horror social, aqui as questões negras não aparecem na base da compreensão da narrativa, ou não pelo menos, de forma tão assertiva como havíamos visto antes. Afinal de contas, Corra! (Get Out, 2017) foi filmado há 5 anos, todos já conhecemos sua visão racial crítica. Formou-se uma legião de fanáticos ao redor de tudo que circula seu trabalho, seria cômodo a ele instalar-se nessa estética desenvolvida pelo próprio, mas não é isso que vemos aqui. Temos um filme dirigido, escrito e produzido por um artista negro, com um lugar de fala reconhecido, aguardado e muito bem valorizado na maior indústria de entretenimento do mundo, este fato por si só já seria suficientemente revolucionário, mas o seu cinema vai muito além disto.  

Jordan Peele escolhe a essência do espetáculo como sua principal linha narrativa. Seus protagonistas estão todos relacionados à cultura do entretenimento. Imerge o espectador numa narrativa que começa com os tradicionais shows de atração e parque temáticos – já abordados magistralmente em Nós (Us, 2019) – passa pela televisão, até finalmente inserir-nos dentro do nosso próprio tempo, porém há sempre um elemento que marca presença nesta viagem: a câmera.    

O aparato está na placa do misterioso jóquei negro, também no impactante massacre protagonizado por um macaco aos seus colegas num show de tv, e hoje, a câmera está em todos os lugares, antes de ler este texto, o leitor já deve ter feito ou visto pelo menos um vídeo em seu celular. Portanto, a pergunta que o realizador se propõe a responder, e ao mesmo tempo intriga seus protagonistas é: Afinal, que tipo de imagem quero fazer? Ou ainda: Qual tipo de espetáculo quero/devo proporcionar? 

A resposta vem do ar, mais especificamente de outro planeta.  Um filme caríssimo todo pensando e filmado com a tecnologia IMAX, com Hoyte van Hoytema, um dos diretores de fotografia mais criativos da indústria, sobre extraterrestres. Ou melhor, tendo como pano de fundo uma invasão alienígena, por trás de toda a roupagem do horror ufologista, Peele coloca na mão de seus personagens um evento sem total precedente e de potencial catastrófico. Diferentemente dos filmes mais clássicos do gênero que optam por retratar uma luta ou escapada em massa, em Nope, os personagens querem captura-lo em imagem. A experiência não é suficiente apenas se vivida pelo globo ocular, ela deve ser também gravada, e transformada em conteúdo. 

Esta escolha narrativa eleva a sofisticação do trabalho de Peele, e o filme se torna ainda mais intrigante. Não basta apenas documentar, e preciso saber como fazê-lo. Em dada altura, O.J resolve recorrer a ajuda de um diretor de fotografia renomado que já havia trabalhado com ele anteriormente e, ao explicar o processo, ambos comicamente se entendem ao perceber o desinteresse em “apenas” documentar, já que esta experiência precisaria ser levada além do real. A partir daí, começam as experimentações do grupo, os personagens vão buscar a melhor forma de fazê-lo, segundo suas referências, conhecimento e possibilidades. 

A genialidade e capacidade de relacionar o humano com o extraterrestre em Contatos Imediatos de Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind, 1977) é ponto de partida. Todo o maquinário desenvolvido para estabelecer comunicação fora da Terra pela equipe de cientistas spielbergiana dialoga com a busca dos irmãos pelo tipo de câmera, captação, e equipe para filmar o OVNI no seu esplendor. Mesmo nos equívocos, como na primeira filmagem, os personagens abraçam-se para ver além do que está nos seus próprios olhos, exatamente como Eles Vivem (They Live, 1988), os óculos escuros oferecidos por Frank Armitage – vivido por Keith David, aqui fazendo o papel de Otis Pai – ao amigo para ver além da superficialidade, assemelha-se com a repentina percepção de O.J sobre a natureza dos acontecimentos que o circulam. 

Além das já conhecidas referências de Peele de terror e sci-fi, estamos num ambiente Faroeste, a Universal construiu um estúdio ao ar livre para o filme, todo pensando como um parque temático baseado naquelas cidadezinhas clássicas que começaram a surgir a partir das expansões ao Oeste norte-americano. Peele desfila suas referências western pelo filme, a errância de seu protagonista numa busca por honrar a memória de seu genitor, poderia ser o destino de qualquer cowboy, desde os Djangos de Sergio Corbucci, à intensidade dos personagens de John Wayne, até os introspectivos de Clint Eastwood. 

Ainda que o filme se desenvolva no Velho Oeste e possua toda a sua roupagem no terror de ficção científica, há uma tendência reducionista da crítica de encerrá-lo numa nomenclatura garbosa “The Neo-Western sci-fi horror movie”, já que exclui o maior motor narrativo da obra: a aventura. Dentro de toda essa miscelânea de referências, a busca desenfreada pelo melhor plano, a energia de Esmerald, cores pulsantes, a velocidade da fotografia de Van Hoytema e a formação de um grupo de amigos em prol de um objetivo comum são dignas das melhores correrias dos Os Goonies (The Goonies, 1985) ou do próprio Steven Spielberg em E.T. – O Extraterrestre (E.T., 1982). 

Num momento histórico que estamos, o tempo todo relacionando-se com a possibilidade de assistir ou criar espetáculos na palma das mãos, Peele resgata os primórdios dessa obsessão na sociedade americana, e a função do negro nesse meio, mero coadjuvante, alegorizado pela figura do jóquei anônimo. Como já mencionado, não se trata de um relato que se pretenda afirmar assertivamente como negro, mas o olhar preto está imposto e dita as regras, com os protagonismos de Kaluuya – segundo o diretor, o seu Robert De Niro – e o carisma de Palmer, que questiona a função do negro na cultura do entretenimento, e lhe propõe um novo lugar, o de criador, tanto dentro, como fora da câmera. 

Autor exigente consigo mesmo, com seus colegas, e com o público, comunica-se alegoricamente, entretêm, mas não entrega nada sobrando e sem a profundidade merecida.  Num filme, protagonizado por um cowboy negro acanhado, sua irmã em busca de estrelato, um ex-famoso mirim asiático e um vendedor geek latino, que juntos resolvem perseguir um OVNI para registra-lo no melhor plano já feito, o maior enfrentamento é com a câmera. É por fim, revolver-se na base do cinema, encontrar a solução ou a morte da narrativa, a eternidade ou o esquecimento de um nome.  

Texto integrante do especial Cinemas Negros

Comentários (3)

Raiden M | sexta-feira, 21 de Outubro de 2022 - 22:37

Simplesmente, Péssimo!!!

Alexandre Koball | segunda-feira, 24 de Outubro de 2022 - 09:08

Anos aquém do Shyamalan. A construção da atmosfera é competente, mas na hora da ação, deixa muito a desejar (aliás, nem deveria ter ação).

Luiz F. Vila Nova | quinta-feira, 10 de Novembro de 2022 - 11:05

Ainda que ligeiramente abaixo de Corra e Nós, é mais um filmaço de Jordan Peele e um dos melhores do ano, sem dúvida alguma.

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