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Nó do Diabo, O

(Nó do Diabo, O, 2016)
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Críticas

Cineplayers

1818/ESCRAVIDÃO/1871/TORTURA/ 1921/HORROR/1987/SELVAGERIA/ 2018/RACISMO

8,0

Antologia de horror que preconiza uma boa percepção do clima horrorífico com o racismo e a escravidão como pautas basilares. O terror é o racismo. Conta com uma interessante construção de clima entre e durante os CINCO EPISÓDIOS internos. A gênese do filme gira entorno dos temas citados e o trabalho de direção e roteiro busca manusear as perspectivas de cada estória para tal, mesmo que o resultado seja irregular, mas impactante a sua maneira.

Perturbação dos negros ao sistema

  1. O filme já expõe o racismo e a luta de classes radialisticamente logo de chegada na narrativa. Sem subterfúgios. Na lata. Onde o apontamento ao negro com inferioridade é feito através de uma questão de classes, que se soma à de raça, onde a subalternização da situação é demonstrada retórica e fisicamente dentro de um seio de racismo estrutural que vai às vias de fato dando continuidade à função sinistramente escrota da casa grande dos brancos. Conservadorismo tacanho e controlador sob a égide do senhor da casa, que quer a manutenção tradicional do aporte de superioridade à fórceps no local. A herança da fazenda nefasta (inclusive descobre-se o porquê deste adjetivo no resto da metragem) cai sobre um branco fracassado. Herdeiro do velho miserável. Ele acaba por representar o racismo tacanho de um pangaré médio brasileiro. Um inútil que não construíra absolutamente nada em sua existência e age como capacho de outros, mas que se arvora de uma pequena parcela de poder em suas mãos e desse poder traz à baila o morticínio. As faces dos negros do passado (antigos escravos) nos flashs de tiro de escopeta do sujeito já demonstram as intenções simbólicas da fita ao propor um terror em cima exatamente do massacre racial.

Dos discursos escrotos do velho às torturas.

  1. Escravidão sob vestes antigas escondidas. De vestígios a comprovações claras. Morte. As mãos sangram com a força no trabalho, estória que comporta reminiscências da escravidão escamoteadas por um racismo óbvio, tanto na utilização da força de trabalho paga com as raspas, seja também pelo tratamento dado aos negros neste mesmo serviço, já que por necessidade de sobrevivência acabam por aceitar. O que nos traz alguns encaixes interessantes como quando um personagem organiza uma saleta usada para guardar instrumentos de tortura escravos antepassados e o senhor da casa elogia o seu trabalho. Na fazenda o cheiro de sangue é eterno. A gênese da família escravocrata não se desfaz, e a seu modo o material descortina as diversas fases do racismo histórico existente no país buscando dar características de mutação ao mesmo. Assim como aprofunda digressões à medida que o tempo retrocede. Eis que os escravos mortos tempos atrás por ali começam a reaparecer.

O horror em pertencimento perambulatório no tempo.

  1. A passagem do tempo na face da turma da casa branca. A escolha em ir de trás pra frente na corrente cronológica tem a sua função do já citado acirramento de absurdas tensões e torturas, assim como para um serviço de surpresa narrativa diante da permanência histórica, temporal e física da imagem branca de domínio através de décadas, no não envelhecer do senhor de escravos da casa grande. O velho. Que se mantém como uma constante do racismo. Como um microcosmo (não tão micro assim) humano que perpassa o tempo e se metamorfoseia – a narrativa molda pouco esta questão propositadamente para a obtenção de um choque maior ao debate – mediante o que se apresenta, e ainda mantem as conjecturas de controle e tortura que possuem suas origens ainda na escravidão.

Torturas, alucinações de destroçamentos fazem parte do jogo.

  1. Caça a negro fugido. Quebra de ritmo. Nessa ele perambula pelo sol em fuga. Alucina e sonha. Aqui o episódio visualmente mais dispare – e não menos interessante por isso. Filmado na propensão do calor do dia numa mostra de uma faceta de fuga dos escravos que tinham que lidar com seus caçadores e por vezes um clima feroz que os amassava. O sol escaldante acaba por ser um elemento natural que acaba por oprimir o fugidio que vai ficando sem opções diante do quanto é caçado, chegando até a alucinar. A obra também aposta na confusão alucinatória que é solta sobre o espectador que o faz se perguntar se aquilo pode ser uma alucinação ou alguma espécie de alegoria retórica visual.

Terra dos vivos e dos mortos.

  1. Fazenda como cemitério de escravos. Alegoria clara com filmes de zumbi. Aqui temos a estória de encerramento da fita que versa sobre a história do negro através da escravidão e racismo. E nada mais justo – e impactante – do que impor aos brancos escravistas a alcunha de zumbis, já que como devoradores de almas ou sanguessugas de mão de obra escrava, se apropriavam de poder laboral alheio para a obtenção de domínio econômico, diante do sistema escroto que isto fomentava. E esses zumbis cheios de feridas em suas caras são a representação do absurdo que fora a chaga escravagista. Uma chaga programada, construída, e ainda não totalmente superada. É a manutenção do controle via o subjugar do próximo, e para ter continuidade nisso é necessária separação de raças. A existência de uma que trabalhe para sustentar aquele que detém os meios de controle respaldados por estado, economia, religião e cultura. Por isso a escravidão deixa elementos de adaptação. O racismo é fruto dos séculos de perseguição. Desses zumbis com tesão de predação e dominância. Uma boa invertida, já que a terminologia zumbi famosa ficara – no ocidente – somada ao vodu diante da luta anticolonial haitiana, onde foram alcunhados como tais por terem vencido a colonização e que ficassem expostos negativamente para o resto do continente americano e europeu por terem alcançado este feito por si mesmos.

A terra carrega o sangue dos escravos. Isto é mostrado em cada estória, que possuem suas independências e particularidades, mesmo que não se necessite de um final fechado em cada uma delas. No grosso modo a fita apresenta um problema de ritmo (além da trilha sonora óbvia e repetitiva por demais), o que é algo comum em antologias, corroborando uma irregularidade entre os excertos, porém nada a atrapalhar o todo. Se alonga demais na estrutura, onde um enxugamento de algumas das estória poderia ter sido uma escolha mais acertada, já que tratam de uma temática estrutural, e seguem uma certa autonomia, mas ainda se repetem alongadamente em narrativas mais lentas, o que comprometeria o resultado não fosse a força do debate que carrega. A maldita fazenda acaba por servir como fator de história material, suporte da escravidão, da tortura, da violência, do racismo. E como tal deve ser exposta, com seus espíritos negros reencarnados e zumbis brancos a perambular.

Material partícipe da 1ª Mostra de Cinema Papo Meia-Noite
Fortaleza-CE
Crítica integrante - a posteriori - do especial Abrasileiramento apropriador do Halloween

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