Ao escrever sobre Meu Namorado é um Zumbi, Homem de Ferro 3, Oz: Mágico e Poderoso e Oblivion fiz questão de ilustrar minha total decepção com os filmes lançados comercialmente em 2013, principalmente porque a maioria deles tem exatamente o mesmo problema: A falta de personalidade e de criatividade artística. Nos quatro textos que escrevi esse ano apontei minha insatisfação com um excelente diretor, desperdício de ótimas ideias e conceitos, frustração ao ver uma promissora franquia perder seu gás e comentei que a maioria das produções Hollywoodianas eram mais esquecíveis do que o comum. É exatamente por fazer o que todo bom filme deveria, pelo menos, se preocupar em fazer, que Terapia de Risco merece tanto destaque. E mesmo que o novo longa dirigido por Steven Soderbergh não seja excepcional, está muito á cima da média, simplesmente pelo fato de conseguir envolver e surpreender a plateia, escapando das convenções tão comuns no cinema atual.
Escrito por Scott Z. Burns – que já havia trabalhado com Soderbergh em Contágio e O Desinformante – o roteiro de Side Effects apresenta seus personagens e desenvolve sua premissa básica logo em seus primeiros vinte minutos: Emily Taylor é uma mulher com um histórico de depressão, que se vê obrigada a lidar com a saída do marido da prisão e seu retorno a vida social. Após uma tentativa de suicídio espontânea, Emily acaba aceitando tomar uma medicação contra sua ansiedade que ainda está em sua fase de testes. Essa medicação acaba sendo responsável por episódios estranhos de sonambulismo.
No início Terapia de Risco pode ser visto como um drama pessoal e intimista, que se propõe em desenvolver contrastes: Enquanto a fotografia procura criar ambientes extremamente gelados e úmidos, a paleta de cores abusa de cores quentes (especialmente de cores de tonalidade amarelada), resultando em uma atmosfera depressiva e excessivamente melancólica, que retrata o estado psicológico da personagem vivida por Rooney Mara, já que o primeiro ato tem o propósito de mergulhar na instabilidade emocional vivenciada por Emily. O que nos leva a outra oposição que o longa faz: Enquanto Rooney Mara e Channing Tatum se mostram emocionalmente imprevisíveis, Jude Law e Catherine Zeta-Jones insistem em resquício de seus sentimentos (e em um diálogo específico entre os dois, ambos soam tratar seus pacientes como mero objetos de estudo). Aliás, este contraste entre as duplas fica evidente na primeira cena em que Law e Mara contracenam juntos, transmitindo o caos psicológico de Emily e como Jonathan Banks é inabalável e distante.
Porém, fazer uma análise crítica de Terapia de Risco antes de seus créditos finais é uma tarefa verdadeiramente impossível, já que a partir de um certo ponto o roteiro, que até então se sustentava no cuidadoso desenvolvimento de seus personagens e na interessante questão judicial (além do sutil comentário a indústria farmacêutica), resolve inverter os papéis – estabelecidos de forma concreta anteriormente – trazendo reviravoltas não apenas ao enredo, mas, principalmente na personalidade das figuras que pensávamos conhecer tão bem, criando um quebra-cabeças impressionantemente bem arquitetado e pensado. Fica claro, porém, de que a importância da reviravolta (que, curiosamente, vai se revelando aos poucos) resulte numa situação frágil; felizmente, Steven Soderbergh consegue a façanha de fazer com que o público se envolva cada vez mais na trama, mesmo que esta mude totalmente de ritmo, gênero e tom. E chega a ser no mínimo curioso, que Soderbergh tenha se preocupado tanto em montar as peças presentes na primeira metade da projeção, sendo que essas acabam tendo pouca importância á seguir (uma decisão corajosa e bem surpreendentemente bem executada).
É uma pena, portanto, que eu não possa me aprofundar nas atuações, já que as surpresas do roteiro oferecem uma expansão natural da eficiência do elenco (Jude Law, em especial, oferece uma interpretação excelente). Assim, enquanto Contágio era prejudicado pela direção distante de Soderbergh, Terapia de Risco se beneficia disto o quanto pode, tornando-se não apenas um sopro de originalidade no cinema comercial atual, como também um belo exercício de quebra de expectativas, mas foi um filme me deixou feliz especialmente por não ser mais um daqueles que evaporam depois que você saí da sala de cinema, e por ser um daqueles que te faz pensar dentro e fora dela. E isso, atualmente, está cada vez mais raro de se encontrar.
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