O curioso fato de O Sonho de Cassandra, drama fortemente propenso ao suspense, ter sido lançado após a comédia burlesca Scoop – O Grande Furo remete ao pensamento de que, mesmo transitando entre gêneros tão conceitualmente distintos, Woody Allen consegue tratar facilmente de temas que lhe são caros quase que com a mesma objetividade. Respectivamente, a proximidade da morte e os efeitos de uma causa.
Se no filme de 2006 havia uma espécie de sátira com a história de “Jack, o estripador” (ao ambientar a história em Londres e focar numa jornalista que persegue um metódico assassino de prostitutas) e um passo no terreno do além, com os mortos e os vivos confraternizando, em O Sonho de Cassandra, que une Dostoievski e mitologia grega (semelhante a Ponto Final - Match Point), tudo ganha contornos soturnos, trágicos, sem a leveza de Scoop – O Grande Furo e com poucas concessões.
Aqui, as forças do destino atuam sobre a vida dos irmãos Ian, interpretado pelo bom Ewan McGregor, ambicioso e ávido a subir na vida, e Terry, vivido corretamente por Colin Farrell, que não consegue resistir ao vício e vive endividado, que veem na proposta suja de seu tio Howard, numa participação de Tom Wilkinson, o orgulho da família por ter realmente conseguido vencer e estar hoje financeiramente bem confortável, a maneira teoricamente mais fácil de conseguirem a grana necessária para resolverem todos os seus problemas, descartando todas as evidentes implicações que aquilo trará, afinal tudo tem um preço.
Com uma boa cadência narrativa e uma história que vai se tornando gradualmente mais sufocante, Allen se foca não na ação, mas no psicológico dos personagens, no turbilhão que se forma na cabeça dos dois irmãos que quanto mais prosseguem com o plano mais assinam o seu caminho sem volta, entrando aí todas as crenças da mitologia grega quanto à sina, ao fado, misturando às resoluções fatalistas que se espera de um filme claramente inspirado em Crime e Castigo, de Dostoievski.
O terror psicológico que vai degradando os personagens, e que estava sendo até ali bem trabalhado, ganha um desfecho feito às pressas, que destoa da calma com a qual o efeito bola de neve estava sendo construído. Traindo o próprio ritmo do filme, a resolução de O Sonho de Cassandra mais parece uma forma de Allen deixar sua moral a mais explicitada possível, sem notar que a sutileza com a qual a estava tratando até ali já havia dado conta de trazê-la ao público.
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