Acredita-se que o ser humano se encontra numa escala progressiva de acesso ao conhecimento e de avanço da técnica e da ciência, pelo que o futuro nos promete mais do mesmo: muito mais conhecimento e muito mais técnica. Nos promete, inclusive, que seremos melhores do que somos.
"Idiocracy" aposta suas fichas na premissa contrária.
No filme de Mike Judge, o mesmo de “Beaves and Butt-Head”, Joe Bauers (Luke Wilson) é um militar de baixa patente e inteligência apenas mediana que se submete a um experimento científico sem sucesso e que por causa dessa malogro acorda 500 anos depois, num futuro sem pé nem cabeça, em que os homens não passam de figuras broncas obcecadas por dinheiro, que se comunicam através de um vocabulário reduzido e chulo e cujos principais divertimentos são o sexo solitário e uma programação de tevê cômica e sádica: "Ai, minhas bolas!" é o campeão de audiência.
É um mundo dominado por grandes corporações e sua propaganda maciça, no qual reina a estupidez generalizada, com o governo sendo ocupado igualmente por imbecis. Quanto a esta última parte, alguém pode objetar que não precisamos ir tão longe para encontrar imbecis no governo.
O filme é uma grande piada. De humor negro. Se democracia é o governo do povo e plutocracia é o governo do ricos, idiotacracia é o governo dos idiotas. Judge atira para todos os lados. Não perdoa o sistema de saúde, nem o sistema de justiça. Quanto mais as platéias de cinema. No futuro, estas se deliciam, aplaudem e riem entusiasmadas com um filme chamado “Ass”, cujo enredo não vai além da exibição de uma bunda sem roupa durante a mais de uma hora de duração do mesmo. Quem lembrou de JackAss levante a mão!
A seleção natural falhou. O que extinguiu a ilusão de progresso foi a reprodução desenfreada de ignorantes que pouco ligam para questões como planejamento familiar, enquanto os bem-pensantes, sem condição numérica de fazer-lhes frente com suas famílias pequenas, muitas vezes optando por não ter filhos, iam desaparecendo, permitindo não só a desenfreada reprodução dos primeiros, mas o que é pior: a reprodução de suas idéias. Ou da falta delas.
Como em terra de cego, quem tem um olho é rei, após as rejeições iniciais, Joe é logo identificado como o homem mais inteligente do mundo. Afinal, ele consegue somar dois mais dois sem titubear. E espanto dos espantos: observando a terra ressequida, Joe adivinha que se ela for regada com um líquido desprezível chamado água, e não com "eletrolyte", as sementes poderão germinar e finalmente nascerão plantinhas.
Ocorre que no mundo do futuro, a bebida energética "eletrolyte", segundo a propaganda, é a panacéia para todos os males. Ela é consumida indiscriminadamente como se fosse água, inclusive em bebedouros públicos, por uma multidão sem senso crítico, guiada pela propaganda. Aliás, água mesmo, só serve para dar descarga na privada. A Gatorade, claro, não gostou nada da brincadeira. Outra empresa sem senso de humor é a Starbucks, que se viu parodiada através de uma rede de “fast sex and food”. O filme foi objeto de vários processos por diversas empresas que não estavam para piadas. Parece mesmo que que Mike Judge não tem grande habilidade para atrair patrocinadores. Só para espantá-los.
Deve ser por isso que os estúdios Fox foram acusados de tentar boicotar o filme que chegou a poucos cinemas americanos em 2006, sem grandes estratégias de divulgação. Entre os possíveis motivos já citados, Dan Mitchell, do New York Times, especulou, ainda, que a Fox agia assim por estar constrangida em lançar um filme que questionava a inteligência das platéias de cinema. Afinal, grande parcela dos espectadores poderiam se ver representados não na pele do protagonista, mas na pele dos ignorantes que o cercam.
“Idiocracy” não é mais um besteirol americano. Quer dizer, talvez seja. Mas faz pensar: quão estúpida é nossa sociedade de hoje?
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