O MELHOR DE TRÊS ESCOLAS REUNIDO NO MELHOR FILME DE SODERBERGH
Se Brian De Palma é acusado de ser um diretor de muito estilo e pouco conteúdo (o que considero um sacrilégio, embora reconheça que o diretor priorize sim a estética de seus filmes), Steven Soderbergh carrega um estigma pior: o de possuir bastante estilo e nenhum conteúdo. Taxado de cineasta charlatão, por seus muitos jogos de cena onde brinca (sem nunca debochar) com o espectador, forçando-o a participar da trama, mesmo que enganado por ela. Soderbergh sabe como poucos como nos atrair para onde ele quer, soltando pistas a todo instante – ora falsas, ora verdadeiras – e escondendo informações que vão sendo fragmentadas no decorrer filme. E embora tenha atingido o auge de sua notoriedade com a trilogia de Ocean Eleven, o melhor cenário para extravasar toda sua picaretagem seria um thriller tenso, cheio de reviravoltas e final indefinido até o último segundo, como este Terapia de Risco (Side Efects, 2013), seu melhor trabalho.
Acompanhamos a jovem Emily (Rooneu Mara), que tenta recolocar a vida nos eixos após seu marido Martin (Chaning Tatum) cumprir pena de quatro anos por golpe no seguro. Mesmo feliz por ter seu marido de volta em casa, Emily entra em depressão e começa a apresentar sinais de síndrome do pânico, tendo tentado o suicídio em mais de uma oportunidade. Assustada, Emily busca ajuda com o Dr. Jonathan Banks (Jude Law) que, após buscar mais informações com a antiga terapeuta da moça, a Dra. Victoria Siebert (Catherine Zeta-Jones), acaba por recitar um tratamento a base de um novo medicamento que o laboratório que o patrocina desenvolveu. Embora tal remédio realmente combatesse a depressão (e ainda atiçasse o desejo sexual da moça) ele acaba por provocar crises de sonambulismo. O que não seria nada demais se não fosse por um pequeno detalhe: em uma dessas noites, sob efeito dos remédios, Emily acaba esfaqueando e matando seu marido. Está estabelecido o dilema: De quem é a culpa? Emily pode ser culpada de um crime que sequer tem consciência de que cometeu? Qual o papel do(s) médico(s) nessa hora? Qual sua responsabilidade? E os laboratórios? Receitar medicamentos indiscriminadamente é a solução? Se todo o medicamento traz efeitos colaterais, de que adianta tomar um para minimizar os efeitos do outro?
Como já havia feito no bom Contágio (2011), Soderbergh ataca os conglomerados e os grandes laboratórios farmacêuticos que pagam rios de dinheiro para que os médicos receitem seus produtos, sem se preocupar com a real eficácia. Porém, aqui o diretor se vale de todo seu arsenal de picaretagem para conduzir um verdadeiro suspense DePalminiano e Hitchcockiano (a cena de abertura é praticamente idêntica a de Psicose). Talvez o melhor dos últimos anos. Principalmente porque, a partir da metade do filme o Dr. Banks, perseguido pela mídia como o potencial responsável pela tragédia – além de ter sua vida virada de ponta-cabeça por denúncias de relacionamentos com pacientes que tratou no passado – começa a desconfiar de que Emily está escondendo algo e que ela pode sim, ter matado seu marido deliberadamente. Quem está mentindo? Seria aquela moça franzina e bipolar capaz de manipular tanta gente? O Dr. Banks estaria tentando livrar-se de mais um processo de assédio sexual e tentando eximir-se da culpa pelo ocorrido com Martin? A Dra, Siebert estaria por trás de tudo por ser representante do laboratório que fabrica o remédio em questão? Porque ela escondeu informações relevantes sobre a primeira terapia Emily? Como se vê, perguntas é o que não falta em Terapia de Risco, e todas são devidamente respondidas na hora certa. Muito por conta da já citada habilidade do diretor em manipular informações. Outro belo acerto de Soderbergh na direção é a excelente condução na inversão de protagonismo (de Emily para Banks) e na mudança de gênero do filme, que inicia-se como um drama e acaba como um thriller genuíno com uma ótima atmosfera noir, onde o protagonista se encontra (ou acredita encontrar-se) em uma mega conspiração.
Mas não nos esqueçamos: Terapia de Risco é um filme de Steven Soderbergh, portanto alguns momentos de puro exercício de estilo e seu apuro técnico se fazem presentes sem qualquer pudor em não ser nada mais do que isso: estilo. Em determinada cena, por exemplo, Emily conversa com o Dr. Banks em seu consultório. Enquanto a moça fala, a câmera a foca de cima para baixo, como se estivesse posicionada no canto esquerdo superior da tela, sobre o ombro direito da personagem. Aos poucos, a câmera vai descendo e contornando a cabeça da jovem até posicionar-se em plano inverso ao inicial, como se parasse no canto direito inferior do vídeo, abaixo do ombro esquerdo da personagem. Isso contribui para a cena? Revela algum detalhe do cenário que passara despercebido? Nada disso. Não passou de uma contribuição estética para a cena. De minha parte, não condeno e até apoio esse tipo de filmagem pois, se mesmo se o filme em si fosse ruim, ao menos seria plasticamente bonito. Quanta coisa só presta por causa da embalagem, tipo as Panicats?
Terapia de Risco foi uma agradabilíssima surpresa no ano de 2013 e um acréscimo e tanto para a filmografia de Steven Soderbergh que, se realmente encerrou a carreira (embora eu duvide disso e ache que não passa de uma jogada de marketing), o fez com chave de ouro.
Eu particularmente não sou fã assim do Soderbergh... Acho a trilogia do "Ocean" muito divertida, principalmente o primeiro filme. Ele possuí filmes bem ruins e outros bons, apesar de "Traffic" ser ótimo não o vejo como obra prima. Gostei bastante de "Contágio" e esse exemplar aqui também superou minhas expectativas... Texto bom como sempre...
Não sou tão fã assim do cara, mas gosto do estilo dele. Técnica sempre me agradou, e isso ele tem.
Ótimo texto Cristian. Ainda não vi esse filme, mas gosto do Soderbergh. O problema dele é que ele é bem irregular. Concordo tudo com o Lucas. Um que gosto dele recente é o A Toda Prova, achei um bom filme.
Valeu mesmo, Thiago. A Toda Prova tem excelentes cenas de luta, bastante reais, um plano sequencia muito bem filmado e um bom ritmo. Não entendo toda a rejeição.