UMA SANGRENTA E DIVERTIDA CAIXINHA DE SURPRESAS
Na primeira metade da década de 90, Quentin Tarantino e Robert Rodriguez sacudiram a indústria cinematográfica com seus estilos diferenciados e uma originalidade corajosa e digna de aplausos. Tarantino, com suas bem esquematizadas histórias, recheadas de violência, humor negro, diálogos fantásticos, situações inusitadas e narração não-linear, com idas e vindas no tempo, assombrou o mundo com um show de direção em seus Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992) e Pulp Fiction - Tempo de Violência (Pulp Fiction, 1994), além de ser autor da história de Assassinos por Natureza (Natural Born Killers, 1994) de Oliver Stone. Robert Rodriguez mostrara boa mão com seu El Mariachi (idem, 1992) e despontou de vez com o ótimo A Balada do Pistoleiro (Desperado, 1995). O estilo trash, ousado e autoral, exagerado ao extremo e sem medo de brincar com a história, deixava claro que Rodriguez, assim como Tarantino, tinha algo à dizer: o cinema deve se libertar!!!
Ambos trabalharam juntos pela primeira vez atrás das câmeras (Tarantino atuou em Desperado) com a comédia Grande Hotel - Uma Comédia Cinco Estrelas (Four Rooms, 1995), que mesmo recheada de estrelas como Madonna, Antonio Banderas, Marissa Tomei, Salma Hayek, Tim Roth, Bruce Willis, Valeria Golino, Lili Taylor e o próprio Tarantino, nem de perto explorou o talento dos dois diretores. Um ano depois, porém, eles resolveram embarcar num projeto altamente arriscado, unindo seus estilos de filmar e contar histórias. Histórias essas que são a maior força em suas obras, e esta (a hostória) já estava pronta na cabeça de Tarantino, mesmo antes de seu aclamado Cães de Aluguel. Bastou adicionar elementos "Rodriguezcos". Surge então Um Drink no Inferno (From Dusk Till Dawn, 1996), um dos filmes mais irreverentes de todos os tempos. Uma sangrenta e divertidíssima caixinha de surpresas cinematográfica. O filme é dividido em dois blocos mais do que bem definidos. O primeiro, é um filho legítimo de Tarantino: dois irmãos, Seth Gecko (George Clooney, recém saído do seriado Plantão Médico), e Richard Gecko (Tarantino) assaltam um banco e levam consigo uma funcionária como refém, deixando um rastro de mortes violentas por onde passam, inclusive de policiais, o que gera uma perseguição implacável aos criminosos. No caminho, acabam sequestrando Jacob Fuller (Harvey Kietel, que já havia trabalhado com Tarantino em Cães de Aluguel e Pulp Fiction), um pastor evangélico desiludido com a morte da esposa, e seus dois filhos, Kate (Julite Lewis, que vinha de uma seqüência de papéis e filmes ótimos, como Cabo do Medo [1991], Gilbert Grape - Aprendiz de Sonhador [1993] e Assassinos Por Natureza [1994]) e Scott (Ernest Liu, cuja carreira se resume à sua estréia neste filme), com o intuito de, escondidos no trailer da família, atravessar a fronteira E.U.A/México, onde um comparsa os aguarda. Como se já não bastasse toda essa atmosfera desesperadora, Jacob ainda tem que lidar com o Insano Richard, que não consegue parar de olhar para Kate e imaginar as maiores atrocidades com a bela menina. Abarrotada de cenas interessantíssimas (como a primeira cena dos Gecko na mercearia) e diálogos de primeira (principalmente entre Richard e Seth, ou este e Jacob), essa primeira metade se encerra com todos chegando ao bar onde os companheiros dos Gecko chegarão pela manhã. O jeito é sentar e esperar. O bar, batizado de Tity Twist (genial!!!), é um lugar de macho! Lá, só tem criminoso, ex-militar, guerrilheiro, motoqueiro...ver um pastor e dois adolescentes mocorongos bebendo uísque com dois assassinos neste lugar, é algo que só esses dois malucos diretores poderiam fazer dar certo.
À essa altura, conhecemos um leque de personagens interessantíssimos: o barman Razor Charlie (Danny Trejo, ícone pop e apadrinhado de Rodriguez); o impagável Sex Machine (Tom Savine); o ex-combatente Frost (Fred Williamson) e suas histórias de guerra e a exótica Santanico Pandemonium (Salma Hayek, um expetáculo!!). E é exatamente durante a apresentação da personagem de Hayek, que Rodríguez assume o comando e o filme se transforma por completo. Uma das maiores reviravoltas do cinema. Sem conhecer o filme ou assistir ao trailer, queixos cairão sem exceção.´
Durante uma briga no bar, Richard tem a mão perfurada e, mesmo com um curativo, continua sangrando. Ao ver a mão do Gecko caçula, as dançarinas, o barman, a banda (os mexicanos do Tito & Tarantúla) e vários outros personagens transformam-se em vampiros!!!!! Isso mesmo! O que antes era um road movie de bandidos fugindo da polícia, passa à ser um terror trash com uma dose absurda de comédia de humor negro. A tosqueira toma conta. Os monstros são mal feitos; os vampiros têm pêlos pubianos; os instrumentos da banda são membros de corpos despedaçados; as armas são camisinhas usadas como bexigas e pistloas d'água munidas de água benta e um bate-estaca com uma estaca de madeira na ponta! O sangue e as mortes reinam na tela e algumas delas surpreendem, como Scott, Jacob e Richard Gecko.
Com um final descarado, mas fugindo do clichê "escapamos juntos = viramos casal", Um Drink no Inferno nos deixa com a sensação de que, se fossem feitos dois filmes distintos, cada um abordando uma metade do filme (a fuga dos Gecko e bar dos vampiros) teríamos dois bons filmes, mas não com esse grau de originalidade e ousadia reunido em um só filme. Seguindo a linha de Rodriguez, ainda surgiram duas seqüências inferiores à este, e embora Um Drink no Inferno 2 - Texas Sangrento (From Dusk Till Dawn 2: Texas Blood Money, 1999) seja razoável e bem superior ao chato Um Drink no Inferno 3 – A Filha do Carrasco (From Dusk Till Dawn 3: The Hangman's Daughter, 2001), todos protagonizados por bandidos e assassinos, este ainda fica anos luz do primeiro em matéria de criatividade.
Gostando ou não de Tarantino e Rodríguez, precisamos de mais cineastas destemidos, que queiram fazer do cinema sua forma de expressão e não só apenas uma máquina de fazer dinheiro. Um viva aos diretores com "cojones"!!!
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