Uma representação apaixonante de todo um espírito.
- Na minha história pessoal -
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Há coisa de uns dias, o meu ano foi abalado por Albergue Espanhol e pelas suas sequências. Em 3 dias vi os 3 filmes e apaixonei-me sobretudo pelo primeiro. Ficou tão cravado na minha memória que me fez recuperar um bocado de mim que eu julgava ter perdido. A sério. Parece melodramático, eu sei, mas suponho que sempre fui um pouco melodramático. Está-me na genética, sei lá...enfim. Este filme e respetiva trilogia, em apenas 3-4 dias, tornaram-se muito importantes para mim. A questão é que ainda estou meio subjetivo em relação a isso, pelo que não sei se consigo fazer uma análise objetiva do filme. Ou se alguma vez conseguirei, tendo em conta o quanto este filme mexe com as minhas emoções. Não consigo ver este tema tratado sem me lembrar de tempos felizes que vivi, da pessoa que eu era, dos amigos, daquela ligação que uma pessoa sente que vai durar enquanto os dois viverem...ai,ai!
Mas há que fazer uma escolha e eu escolho começar pelo lado emocional. Eu sei que isso pode ser "ruído" e certamente só será de utilidade ao meu possível biógrafo (hehe...) que, ao investigar sobre o grande Paulo, se vai desiludir após cada descoberta, ao perceber que ele era um moço simples, talvez simplório, pouco ambicioso e até ingénuo de dar dó. Talvez não devesse expor-me muito no comentário, mas...que se lixe, a vida é curta demais e eu sou um romântico. Sempre fui e, a não ser que sofra um brainwashing feio, sempre serei um romântico. Pronto, já disse! Se isso implicar que eu nunca passe da "mediocridade" que alguns "ricos" dizem que eu tenho - por causa de minha personalidade, dizem eles - temos pena! Sou quem sou e não posso fugir a isso.
Mas chega de procrastinar; vamos ao lado emocional. Ora bem, este filme apareceu numa altura da minha vida em que eu andava um pouco em baixo. A minha vida, que nos 2 anos anteriores tinha sido muito feliz, estava a começar a correr pior. Não era nenhuma tragédia grega, mas a verdade é que meia dúzia de situações atiraram a minha autoestima para a lama e a distância crescente entre mim e os meus melhores amigos não ajudou nada. Ironicamente, enquanto tudo corria mal, o ano cinéfilo corria lindamente; em 2015 vi tantos filmes bons, de 8.0 para cima, que nem sei quantos foram. E, no meio do meu período pior, eram por vezes os filmes que me conseguiam emocionar como me emocionava antes desse período. Eles e um ou outro dia melhor. Mas, de resto, continuava em baixo. Foi então que 2016 tentou remediar um pouco isso, mostrando-me esta pérola do cinema francês: Albergue Espanhol. Como eu disse, a obra devolveu-me um pouco do que eu tinha sido. O que já foi muito.
- Algumas qualidades do filme -
Então, que qualidades tem este filme que o elevem a um nível tão alto? Bem...são várias, espalhadas um pouco por todo o filme. Creio que a primeira que me chamou a atenção é que, em termos de relações, é um filme honesto. Verdadeiro. Genuíno, sei lá...o que eu quero dizer é que representa muito bem as relações entre os jovens do séc. XXI. Tudo aquilo: a falta de foco do pessoal, eles todos reunidos a fumar numa de paz e amor sem perceber porque é que alguém se há de incomodar com aquilo, o conflito entre ser um "cara legal" e impor limites no que toca à higiene da casa...maldição, eu tenho um grupo de amigos que é mesmo assim! É mesmo parecido! E depois há as relações entre pessoas de diferentes países. A forma como falam todos inglês quase perfeito, a forma como trocam do inglês para outra língua quando calha, as brincadeiras com diferenças culturais...sabem, eu nunca fiz Erasmus, mas já tive colegas de Erasmus a estudar em lusitanas terras. E já estive incluído num grupo de amigos com vários estrangeiros. E, digo-vos...é mesmo aquilo! Este filme é absolutamente honesto ao mostrar as relações entre pessoal de Erasmus! Cada fala, cada interação...nem parece um filme, quase parece um documentário! Palavra! E como eu me ria, naquela velha coisa do "Haha, tem graça porque é verdade!".
Pois é; um pouco à semelhança de Antes do Amanhecer (sim, vou insistir nessa comparação; as duas trilogias são mesmo parecidas) Albergue Espanhol é um retrato incrível do espírito de uma juventude meio perdida, embora culta, e com uma certa dose de loucura. Os diálogos são genuínos e de qualidade. E, de toda esta boa representação, destaca-se uma cena em particular: a cómica cena em que todos correm que nem doidos para casa para poder avisar Wendy que Alistair está por aí! Embora de moralidade muito questionável, essa cena é, como diriam os ingleses, accurate. Sim, é mesmo aquilo! O espírito entre colegas de Erasmus é mesmo assim. E falo por experiência semi-própria, pois alguns do meu grupo com portugueses e estrangeiros passaram por situações parecidas. Quer dizer, nenhum deles correu meia cidade para dar o alerta de namorado iminente, mas houve de facto quem se envolvesse com colegas de Erasmus que já tinham namorado no seu país de origem, coisa que todos sabiam. E, entre todos, havia este pacto de silêncio, esta lei não escrita que circulava entre eles e os impedia de falar por uma questão de escrúpulos. Felizmente, não cheguei a entrar nesse jogo - eu não conhecia o casal assim tão bem - e portanto não tive de mentir ou omitir factos (detesto mentir, embora também o faça; não sou nenhum modelo de virtudes), mas pude constatar esse, lá está, espírito que havia entre os jovens. Para não falar do desfecho da cena, com William a fingir ter virado para o outro lado! Uma conclusão deliciosa para uma sequência bem divertida!
- Ingenuidade a mais também estraga... -
Agora, tudo isto não quer dizer que não seja uma sequência um pouco ingénua, um pouco à semelhança de todo o filme. Sim, todo o filme! Porque, embora esta obra seja super sincera nas relações - ou antes, na parte emocional -, não é tão verdadeiro na parte da vida, ou antes, na parte racional! É verdade; na perspetiva das relações, é um filme fidedigno como poucos...mas noutra perspetiva já é um filme que estica a verdade, como muitos que Hollywood produz!
A que me refiro? A isto: a maior parte dos filmes que Hollywood produz mostram problemas de primeiro mundo e não é para menos. Afinal, as suas personagens não só raramente têm problemas sérios de dinheiro como também têm casas enormes que custariam uma fortuna (eu sei que é para a câmara se poder mexer, ok?) e raramente enfrentam as consequências de tudo aquilo que fazem. E, também no filme de Klapisch, não há bem a noção de "consequência".
Exemplo: o dono do apartamento dos jovens estudantes aparece de repente e sobe o aluguel para 180 mil pesetas. Qual é o efeito disso? Muito pouco. Sim, a Isabelle muda-se para lá, o que alivia as despesas, mas isso acontece muito rápido e, entretanto, não há consequências visíveis. Nenhum jovem muda de casa, nenhum congela a matrícula para voltar para o seu país, nada no seu consumo parece afetado! Ou seja, algo que seria um pesadelo para qualquer pessoa da classe média ou média/baixa ou para os seus filhos estudantes acontece...e fica tudo praticamente na mesma! É dessa ingenuidade que falo. Curiosamente, há uma cena em que a espanhola (é tão periférica que nem me lembro do nome dela, hehe...) diz que não pode sair porque está lisa...mas isso acontece ANTES de o senhorio aumentar o aluguel, e não depois! Vai entender...
E a cena da corrida para casa também tem um pouco isso. Nomeadamente: nenhum jovem está em aulas nessa altura. Um deles está a caminho das aulas, sim, mas aparentemente larga tudo para ir avisar Wendy. Nenhum deles tem exame nessa dia, nessa hora, ninguém está com...com...responsabilidades! Aquelas coisas que não permitem a um adulto fazer tudo o que quer quando quer sem consequências! E por falar em aulas, esse é outro pormenor que o filme quase ignora. É certo que mostram uma aula e Xavier e Wendy a estudar...mas é só. E aquela época dos exames e trabalhos mil? E aqueles momentos em que o pessoal não dorme a noite toda para fazer um trabalho difícil e passa o dia todo de mau humor? E os dias em que os estudantes "choram" não poderem sair mais à noite por medo de não passar a uma disciplina? Isso aqui não existe! Ou, se existe, não é mostrado. Mas porque não, se faz parte da experiência de Erasmus?
Ah, sim, é verdade; e quando William entra em casa à socapa, entrando pelas escadas para avisar Wendy? Aquilo roça o ato da entrada forçada, que é crime! É que William não mora lá; está só de passagem! E nada lhe acontece; ninguém chama a polícia, nenhum vizinho lhe chama a atenção, o senhorio não diz palavra...nada! É a típica falta de consequência de filmes mais ingénuos.
- A despedida de Xavier -
Mas enfim; à semelhança de O Impossível, este filmão escolhe mostrar uma visão limitada da realidade em prol do feel-good. E da comédia. E ainda bem, porque é uma das melhores comédias românticas que já vi. E, no fim de contas, quase todos os defeitos do filme se perdoam numa cena de grande impacto: a despedida de Xavier. Quem já teve um grupo de amigos estrangeiros sabe como aquela cena é bela. A despedida custa, mas não pode ser evitada; apenas pode ser bem feita. E Xavier fez o seu melhor. E eu, de tão identificado que me sentia com aquele grupo de jovens, deixei de ver Xavier; passei a sentir que era eu, eu!, que me estava a despedir daquelas pessoas! E senti um misto de felicidade e tristeza típico das aventuras com grupos de Erasmus! À medida que Xavier se despedia eu queria entrar para o ecrã e abraçar com força a espanhola, de quem gostei tanto. Achei que aquele beijo de despedida não bastava; tinha de ser um abraço, ela merecia! E quando Xavier se foi despedir de Wendy foi uma emoção estonteante, eu só queria agarrar-me à britânica com força, dizendo "Oh meu Deus, Wendy, anda cá sua coisinha fofa, ai abraça-me mais por favor, eu prometo que nos vamos voltar a ver eu garanto que a nossa amizade não fica por aqui não me deixes fofinha! (;_;)". Sim, isso. Porque, convenhamos, embora aquele grupo fosse bem bacana, Wendy era simplesmente a coisa mais adorável do grupo. A sério, dá para não sentir carinho pela britânica com aquela cara linda, aqueles olhinhos de boneca, aquela voz doce e aquele sotaque charmoso de morrer?! AI! Caramba, eu senti um mix explosivo de emoções quando Xavier se despediu de Wendy! E, aparentemente, também Xavier nutriu muito carinho por ela, pois foi a única que respondeu ao seu beijo de despedida com um terno abraço. Ai, ai, Wendy...
[sim, eu senti muito mais carinho pelas moças do que pelos moços. Vou fazer o quê? Sou homem! Graças às hormonas, os homens têm mais facilidade em colocar as moças num pedestal. É a natureza humana. Não quer dizer que não possamos lutar contra isso com o nosso livre-arbítrio (se é que isso existe; é discutível) mas é fácil de acontecer. E também, naquele grupo, só as moças eram mais carismáticas. O único moço a quem me afeiçoei mais foi o William, e esse nem estava no grupo original, vejam só! Portanto, é, quis abraçar mais as moças que as moços - com exceção para William.]
- Uma perspetiva moral muito polémica e talvez assustadora -
É certo que Wendy tem muito de moralmente questionável...mas, não sei, tendo em conta a aparente frequência com que os estudantes de Erasmus têm casos amorosos com outras pessoas mesmo tendo namorado/a no seu país de origem, acho que podemos perdoá-la. Não absolver; perdoar. Porque, isto é, o problema nem é tanto a infidelidade; se ela se apaixonou por outra pessoa tem todo o direito de deixar o namorado. O que é mesmo baixo são as mentiras, a questão de ela não contar a Alistair do seu caso. Se me perguntarem, essa mentira é pior que a "traição" amorosa, pois a mentira é a verdadeira traição. Mas pronto, é aquela coisa; o filme também não nos diz que Wendy não lhe contou mais tarde (presumo que não, senão ela devia ter ficado mais tensa, mas não sei) nem nos diz que o namorado não aceitaria a "modernice" da relação aberta (duvido, tendo em conta o susto que Wendy apanhou, mas quem sabe). Além disso, os cientistas que estão aplicados em prolongar a esperança média de vida humana para 400-500 anos já falam de um possível dilema futuro: o de ter de redefinir o conceito de relação monógama. Afinal, se um humano viver 500 anos, o ato de passar de 500 anos com o mesmo parceiro sexual parece insanamente impossível! Claro que vai ser possível na mesma, mas naturalmente será a exceção, não a regra. E não podemos continuar a ser tão duros e inflexíveis com as relações abertas; elas podem muito bem ser o futuro. Ou não. De qualquer forma, a mim tanto me faz; só quero que nós, humanos, sejamos felizes como um passarinho. Se isso se conseguir através de relações abertas, assim seja; não vale a pena adiarmos essa mudança social. Mas se a chegarmos a aplicar e descubramos que as relações abertas não são eficazes, então voltem as relações monógamas! Não interessa qual escolhamos para ser a regra, desde que faça feliz o maior número de pessoas possível. Em rumo à felicidade, Humanidade! E é nesta perspectiva mais, digamos, holística, que eu perdoo Wendy. Ela mentiu ao namorado e isso foi condenável, mas...Wendy, eu perdoo-te. Pelo menos admitiste que ele era um idiota e que só estavas naquilo pelo sexo. Além disso, até isto acontecer, tinhas sido uma ótima pessoa. :)
- A reta final -
Adiante...segue-se o plano de câmara em que Xavier sai do bar com aquele brilho nos olhos que só quem tem amigos de Erasmus entende a 100%. Um plano completamente verdadeiro, expressando aquilo que um estudante sente antes de voltar para o seu país. Aquela esperança na Humanidade, a sensação de que Deus nos concedeu uma graça, alguma tristeza, a certa saudade de pessoas que se viu há apenas um minuto, as expetativas em relação ao futuro...aquela emoção única na vida de uma pessoa que já pôs muita gente a chorar como um bebé! De comoção, bem entendido.... E recuperei esse bocado de mim! Não haja dúvida: a interação com Erasmus muda a vida de uma pessoa. É uma experiência irrepetível. Não é um ano na nossa vida, mas a nossa vida num ano (obrigado, Andrea! :D Te voy a visitar un día!)!
Caham...nostalgia minha à parte, toda esta reta final de Albergue Espanhol é magnífica. Acho que não preciso de mais elogios, pois creio que qualquer leitor que esteja a acabar de ler isto (parabéns por teres chegado tão longe; és corajoso/a!) já percebeu o meu amor por estas cenas. Quanto ao final...bem, é tontinho, mesmo. Meio ingénuo, até. Mas o filme valeu a pena. Valeu mesmo. Não só pelo brilhante retrato da juventude que representa, mas também por expressar bem as emoções que um jovem sente ao passar por tudo isto. E não me refiro só ao Erasmus, mas também ao caso amoroso que Xavier teve com Anne-Sophie, outra mulher fofa, mas mais "Vénus" que Wendy. Mesmo depois de tantas palavras, ainda falto falar de muito que esta obra tem de bom - eu ainda nem falei da subtileza da cena da escada rolante nem da piada da cena em que Xavier tem aulas de sedução com Isabelle, nem da trilha sonora... - mas essas o leitor pode sentir ao rever o filme. Pois, rever...porque este comentário está cheio de spoilers, pelo que não o recomendo a quem não viu este filmaço.
- Conclusão(?) -
Ao acabar este comentário que me fez arrepiar ao lembrar-me das emoções - não é exagero; às vezes acontece-me - só me apercebo novamente do quanto amo este filme. É, sem dúvida, o melhor filme francês que já vi. No final, se for a ver, talvez o principal defeito de um filme tão delicioso seja o facto de ter deixado a personagem da espanhola para segundo plano (habla más, cariño, que me gusta!). Tenho um carinho especial por espanhóis, pronto...
PS: Estes subtítulos ao longo do comentário ficaram muito pirosos? Se calhar ficaram...é sempre um risco quando se usa subtítulos. E pode parecer pedante. E só que o comentário ficou tão maior do que eu esperava que achei os subtítulos importantes...
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