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Canibais

(Green Inferno, The, 2013)
4,4
Média
37 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

O ativismo imbecil massacrado pelos canibais

7,0

Esculhambos introdutórios

Mais um filme racistoso de índios canibais. Homenageando o cinema das tribos antropofágicas, trabalhando majoritariamente em cima do Holocausto Canibal (Cannibal Holocaust, 1980), obra-prima do Ruggero Deodato. Pegando na veia do visual amadoresco de sua inspiração, mas sem o caráter de found footage e mockumentary – terminologias nem alcunhadas à época do original. Porém aposta na violência gráfica e na temática escrota de merenda com carne humana. Produção da Blumhouse, que ousou investir no Eli Roth como diretor desta bagaça. Se tem uma coisa que eu respeito no Eli Roth é que ele está pouco se fodendo para alguns limites. Se é pra aloprar ele vai em frente e mete um humor altamente doentio no troço. Inclusive o tom avulso é assumido desde seu letreiro brega que parece feito do wordart. É a vantagem de se ter liberdade total para destroçar. Mas o cara vai fazer uma homenagem bagaceira dum clássico altamente controverso? Tem que chutar o balde mesmo. Mesmo assim, apesar da violência, seboseira e os caralhos, o Roth poderia ter aloprado bem mais nesse projeto. O seu O Albergue (Hostel, 2005) é bem mais visceral, por exemplo. Mas entendo que a intenção dele era de caráter espontâneo no gore, onde no citado Albergue é algo grosseiro, mas fetichista e com um trabalho de cores especificado. Só não conseguiu obter aqui o resultado da naturalização escrotista proposta no embrião da coisa.

Planos chapados. De testa. Sem frescuras ou tratos mais bem acabados. É o aspecto documental buscado. O tal naturalismo das imagens com cores equilibradas de início, antes do destroçamento. Lavadas. A posteriori teremos uma proeminência do inferno verde que a titulação original enseja. E bem contradita pelo vermelho dos autóctones. Sem fugir desse naturalismo seboso. A construção dos planos na decupagem segue o ordinário tranquilamente. Para o que o filme se propõe, é coerente. Nada muito arrumado. Roth nem se importa com isso. Filme de gente meio doente. Só meio. Mas a diferenciação de cores citada se faz presente e funciona a partir do segundo ato, na chegada à floresta. Onde esquecemos o cheiro da universidade e seus ativistas de merda para sentirmos cheiro de sangue, tripas, fumaça, vísceras e de bosta. Desse mérito o diretor e sua equipe de fotografia e montagem podem ser acusados.

E a delicadeza dos temas? Mutilação genital pra começar. Gerando um debate besta e raso. Claro, são bichos neófitos nas universidades. Semi-virgens pós-adolescência que não conhecem porra nenhuma. Mas a fita dá a dica do preparo para alguma merda futura. Uma pílula óbvia dada aqui. Em seguida a isto somos apresentados ao besteirol do enchimento de saco da militância ambiental classemedista. Vazia, cheia de conversa mole e valentia de goela. Uns gatos (e gatas) pingados com probleminhas de consciência moral e ambiental sem saber o que fazer disso, que decidem tocar violão, levantar cartazes e gritar palavras de ordem avulsas. É o branco na sua ânsia em mudar a perspectiva de outrem sem querer enxergar as profundas merdas hipócritas cometidas pelos seus, e propondo isso num farra cirandeira. Merecem se lascar mesmo. Tanto que aqui as frases feitas comem soltas em diálogos expositivos demais, como quando numa das reuniões o ativista-mor Alejandro (Ariel Levy) toca seu violão e cantarola pela paz e depois quando reunido explicita o plano do acorrentamento pela paz de maneira bem avulsa. Acabam por irem todos cantarolando até a Amazônia peruana, sem que os supostos a serem protegidos assim os convidassem. É a crise de representatividade própria. Quando chegam, conseguem plateia internacional, mas acabam nas mãos da tribo que queriam proteger e se lascam do primeiro ao décimo.

O missionarismo de vacilo

Isto me lembra o missionário norte-americano vacilão John Allen Chau, que papocou a base de flechadas em 2018, no oceano índico quando tentava invadir na marra a ilha de North Sentinel, pertencente à Índia. Quis apresentar o cristianismo entrando nesta ilha – coisa na qual é proibida por lei da Índia para quem quer que seja. País este que tentara por décadas uma aproximação cultural e social com o povo daquela localidade inóspita – uma tribo (de cerca de 150 almas) absolutamente isolada e que segundo estudiosos estão por ali há cerca de 60 mil anos – que vive na ilha e que sempre os hostilizaram de volta. Então a Índia declarou a desistência da questão em 1990, declarando espaço de preservação e impondo proibição à aproximação há menos de 5 quilômetros da ilha. Além do fato da lei ter sido quebrada (por Chau e por alguns pescadores que ganharam uma verba para deixar o cara por perto), a invasão é de um profundo desrespeito cultural, moral e social diante da autodeterminação dos povos. Mas o tesão em crer que sua religião é superior à do próximo é uma merda de suposta superioridade cultural, que missionários não assumem isto nem na paulada, já que a simulação deles é pela causa da tal apresentação de Jesus aos hereges. Ou seja, apelam para uma construção absurda baseada nas próprias crenças para subjugar seres considerados inferiores. O ativismo colorido cegueta bebe um bocado nesta fonte. Percebemos isso nesse Canibais exatamente no debate idiota sobre o horror da mutilação genital. Não há aprofundamento nenhum da questão (aliás este filme não é pra isso), mas fica a percepção da menina branca rica querendo resolver os absurdos do mundo e foda-se que cultura ela interfira. Tem que detonar e pronto. Isto sem nenhum tipo de pensamento do escroto impacto externo e como este pode ser destroçador para uma pequena comunidade. Divaguei pra cacete nisso porque é um tema que me interessa e o filme não entra demais na questão da mesma forma que um grupelho de militantes imbecis também não entraria em grande parte das vezes. É rotular? Sim. Clichê? Sim, mas baseado em comprovações.

O missionarismo é braço do colonialismo genocida. Na base da INVASÃO. De irresponsabilidade e estupidez absurdas. O cara na ilusão de que conseguiria entrar no local através da paz imaginada na sua cabeça acabara por ser responsável por causar a própria morte. O cristão que se mata vai para o inferno né não? Se não me engano a bíblia deixa isso claro, então supunhetemos que de repentelho o inferno exista, o Chau foi pra lá? Ou ganhou a salvação por plena burrice e papo furado de evangelismo? E olhe que correu o risco dele transmitir doenças de todos os tipos àquele povo, o que poderia acarretar em uma dizimação em massa, já que os mesmos não possuem anticorpos de defesa para as mazelas que carregamos com orgulho. O proselitismo cristão carniça fazendo das suas. O filme Canibais não tem a reza como desculpa, mas se embalsama de ideologia ativista para cometer – e frescar com – suas merdas. Sem entender porra nenhuma do país que estão a pisar. Jumentice total. Se é vantagem, isto ajuda a não torcer para nenhum deles.

É uma marmota não levar em consideração o que determinada população pensa acerca de si. Não falo isto somente da tribo ao qual o filme porcamente se debruça, mas sim ao governo peruano. O povo peruano, que independentemente de merdas acontecidas em seu próprio território, deve ter legitimidade para decidir por si mesmo. Acabamos por saber que o esquema é por disputas de empresas que querem destruir a tribo, e num primeiro momento acreditamos que a parada do ativismo funciona, mas em seguida vem a desgraça e o cinismo do próprio movimento ativista. Roth foi vagabundamente maroto aqui.

Os otários perdidos na selva canibal

Então, o filme apresenta estes otários e os manda para a selva. Reitero que dá até um prazer em saber diante mão que os imbecis vão todos papocar. Mas o filme tem um ritmo arrastado por demais em seus primeiros 45 minutos. Altas enrolações. Algo que já era reclamado até no filme original Holocausto Canibal, e que discordo de forma frontal. Mas neste além do ritmo, pesa também a duração. 100 minutos disso. Onde uns bons 70-75 minutos resolveriam bem. Em suma busca paralelos com a obra de 1980 sim, mas visa manter sua – se é que dá pra chamar disso – identidade própria. Muito calcada no humor em meio a podridão que vai sendo aumentada.

O gore. Finalmente. E vem sem cerimônia. A tensão criada para ele seria mais pela disposição imaginária do espectador ao saber da situação ali que daria merda em alguma hora. A queda do avião, as mortes acidentalmente imbecis, e o canibalismo. Tudo visto às claras. E é aqui entra o nome do monstro sagrado Greg Nicotero e de Howard Berger nos efeitos práticos de maquiagem. Nicotero, fundador do estúdio KNB EFX Group, tem vasta experiência na área com mais de 180 créditos em fitas e tendo sido pupilo do gênio Tom Savini no horror zumbi Dia dos Mortos (Day of The Dead, 1985) (a terceira parte da primeira trilogia) doutro cara genial que é o George Romero. Seus créditos incluem trabalhos como Uma Noite Alucinante II (Evil Dead II, 1987), do Sam Raimi, A Hora do Pesadelo 5 - O Maior Horror de Freddy (A Nightmare on Elm Street 5: The Dream Child, 1989) do Stephen Hopkins, À Beira da Loucura (In the Mouth of Madness, 1994) do John Carpenter, Um Drink no Inferno (From Dusk Till Dawn,, 1996) de Robert Rodriguez, entre outros tantos. O cara tem cacife pra cacete e não decepciona, obviamente. Mesmo com orçamento reduzido ele faz estragos na destruição dos corpos quando a hora se apresenta para tal. Mesmo que alguns CGI’s metidos e porcos embacem aqui e ali, os efeitos práticos garantem este gore. A colhida do sangue dos corpos abatidos mais parece a tirada do mesmo sangue do pescoço dum frango em preparo para um prato de galinha cabidela. Uma delícia. Ainda assim não se consegue superar o clima absurdo e real que o filme italiano propôs em 1980, mas diverte na questão. Fazendo os ativistas receberem na carne o preço por sua ignorância e desrespeito que teimam em envernizar de filantropia.

Claro que Roth aposta na violência e também no humor dalgumas situações ridículas e escatológicas moldadas por atuações bizarras de todo o avulso elenco. Como na cena da cagada, que mostra um Eli Roth asqueroso se divertindo. Vale pelas crianças autóctones mangando do cheiro de podre. Quer outras marmotas? O Alejandro punheteiro e o canibalismo laricado. Enquanto os companheiros morrem Alejandro pratica uma masturbação marota na gaiola para relaxar a mente. Eli Roth a testar os limites da verossimilhança, paciência e o politicamente-corretismo da galera. E o plano de fuga? Meter maconha no estômago da suicida pra turma indígena ficar muito doida com a fumaça da carne dela quando assada for. Dá certo em parte, assim como vem também a larica. O maconheiro é morto pela galera que usufruiu do seu produto ficaram com uma fome da porra. Este é o nível do filme, que além de destroçar os ativistas, os ridiculariza com putaria e cinismo. A ironia deles serem usados de merenda pela tribo que visavam, supostamente, defender.

Toques finais de avacalho, fuga e despedida dos abestados

E os ativistas de uniforme? Fizeram diferença na situação? Os uniformizados são funcionários da empresa que vai desmatar aquelas terras. Expropriá-las, e, assim, logo são inimigos declarados dos nativos. A prova é uma cabeça de funcionário real da empresa sendo carregada em comemoração. Esta é outra questão interessante. O canibalismo aqui é justificado pelo conflito tribal. Haviam tribos que praticavam a antropofagia exatamente por um respeito ao inimigo vencido. Claro que aqui isto passa despercebido dentro do maniqueísmo no material.

Não esqueçamos do cinismo do Roth ao mostrar que o ativista-mor Alejandro, na verdade é um oportunistazinho de merda envolvido com ativismo buscando benefício próprio para a fama do grupinho que ele criara. Com direito a citações canalhas do 11 de setembro e de guerras contra as drogas como mentiras deslavadas que justificam o mundo de cão comendo cão que ele agora passaria a defender publicamente. Alejandro é o revolucionário farsesco que quer encher os bolsos às custas de quem quer que seja e que isto se some ao bom mocismo que ele também quer vender – na vitrine – para conseguir fincar sua farsesca filantropia. Agora eu quero que este Zé Bostinha fique vivo.

Ao fim, temos uma empreitada desconjuntada, mal montada, pestilenta, esculhambada, avulsa, sebosa, mefítica, sangrenta, doentia, fedorenta, catinguenta, engraçada, aleatória, ignorante, racista e divertida, que acaba por meter a chibata no ativismo demagogo em toda a sua acepção de limpeza de princípios bonitinhos, que não levam em consideração o outro. E isto traz a reboque consequências nefastas, sejam elas ligadas à antropofagia via combate tribal ou proteção territorial contra um missionário intencionado por um cristianismo difuso. Mesmo com toda esta maçaroca divertida os últimos planos quase estragam tudo. Com uma espécie de discurso cagão da sobrevivente vendido como oficial, onde ela não toca no canibalismo. Espécie de tentativa de reparação do branco para com o autóctone, mas que tem vulto porque o ativismo do filme já é uma seboseira hipócrita de um lado ao outro, então foda-se. Mas que faltou um violino nesse choro final, ah isso faltou.

 

Comentários (2)

André Araujo | quarta-feira, 22 de Março de 2023 - 20:43

É preciso um streaming dessas trasheiras.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 24 de Março de 2023 - 23:39

Tem brasileira darkflix que faz um trabalho nesse sentido. Ótimos materiais por lá.

JG Santos | sexta-feira, 07 de Abril de 2023 - 16:35

"Mais um filme racistoso de índios canibais."
"O missionarismo é braço do colonialismo genocida. Na base da INVASÃO."

Caro leitor... Já viu, né?!

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